Lei n.º 25/15 de 18 de setembro
- Diploma: Lei n.º 25/15 de 18 de setembro
- Entidade Legisladora: Assembleia Nacional
- Publicação: Diário da República Iª Série n.º 130 de 18 de Setembro de 2015 (Pág. 3333)
Assunto
Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal. - Revoga a Lei n.º 18-A/92, de 17 de Julho e todos os preceitos, nomeadamente, do Código do Processo Penal, que contrariem as disposições da presente Lei.
Conteúdo do Diploma
- A diversidade do regime jurídico da prisão preventiva no nosso País tem constituído uma fonte de dificuldades e problemas resultantes, em grande parte, da ambiguidade que caracteriza a vigência das normas a aplicar no decurso do processo, visto que aquele instituto jurídico é regulado, na fase de instrução preparatória, pela Lei n.º 18-A/92, de 17 de Julho, enquanto nas fases seguintes vigora ainda o Código do Processo Penal de 1929. A dogmática processual penal moderna diversifica as medidas cautelares e sujeita-as a princípios fundamentais como os da necessidade, proporcionalidade, subsidiariedade e adequação, prescrevendo um vasto leque de medidas cautelares de coacção pessoal, como também de medidas relevantes de garantia patrimonial e a figura da detenção, acto processual que antecede a prisão preventiva, mas que dela se distingue claramente. Tendo em conta a necessidade de se criar novas medidas de coacção processual, no âmbito da reforma do Processo Penal em curso: A Assembleia Nacional aprova, por mandato do Povo, nos termos da alínea b) do artigo 161.º da alínea c) do artigo 164.º e da alínea d) do n.º 2 do artigo 166.º, todos da Constituição da República de Angola, a seguinte:
LEI DAS MEDIDAS CAUTELARES EM PROCESSO PENAL
CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 1.º (Enumeração das Medidas Cautelares)
As medidas processuais de natureza cautelar são as seguintes:
- a)- A detenção;
- b)- As medidas de coacção pessoal;
- c)- As medidas de garantia patrimonial.
Artigo 2.º (Condições Gerais de Aplicação da Detenção e das Medidas de Coacção Pessoal)
- A detenção pressupõe a existência de fortes indícios de que a pessoa detida praticou uma infracção penal punível com pena privativa de liberdade e determina a sua constituição como arguida, se ela não estiver ainda nessa condição processual.
- A aplicação das medidas de coacção pessoal, à excepção do termo de identidade e residência, depende da prévia constituição como arguido e da existência de fortes indícios de crime punível com pena de prisão superior a (1) um ano.
Artigo 3.º (Fiscalização Jurisdicional das Medidas de Coacção)
- As medidas de coacção aplicadas por Magistrado do Ministério Público, na fase de instrução preparatória, podem ser impugnadas pelo arguido ou seu representante perante o Juiz Presidente do Tribunal territorialmente competente, que imediatamente distribui o processo ao juiz de turno para decisão no prazo máximo de (8) oito dias úteis, a contar da data de recepção do processo.
- Em caso de impugnação, o juiz pode, se achar necessário, realizar novo interrogatório ao arguido, na presença do Magistrado do Ministério Público e do seu defensor, devendo no final decidir pela manutenção ou não da medida de coacção.
- A impugnação feita nos termos do n.º 1 não suspende a execução da medida de coacção aplicada.
- Tratando-se de pessoas que gozem de foro especial, o recurso deve ser apresentado ao Juiz Presidente do Tribunal competente para o julgar.
CAPÍTULO II DETENÇÃO
Artigo 4.º (Conceito e Finalidades da Detenção)
- A detenção é o acto processual de privação precária da liberdade por tempo não superior a (48) quarenta e oito horas, praticada unicamente com o objectivo de:
- a)- Apresentar o detido em flagrante delito para julgamento sumário;
- b)- Apresentar o detido perante o Magistrado do Ministério Público, para o primeiro interrogatório e subsequente aplicação ou substituição de medida de coacção;
- c)- Garantir a presença do detido em acto processual, perante a autoridade judiciária, imediatamente;
- d)- Assegurar a notificação de sentença condenatória, a execução de pena de prisão ou de medida de segurança privativa de liberdade.
- O interrogatório, para efeitos de aplicação de medidas de coacção processual, é feito nos termos dos artigos 12.º e 13.º.
- Contra os que infringirem as disposições anteriores é instaurado, imediatamente, processo de averiguação, independentemente de queixa do ofendido.
Artigo 5.º (Noção de Flagrante Delito)
- É flagrante delito todo o facto punível que esteja a ser cometido, ou que se acabou de cometer.
- Considera-se também como flagrante delito o caso em que o infractor é, logo a seguir à prática da infracção, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que a cometeu ou nela participou.
- Nos crimes permanentes só há flagrante delito, enquanto se mantiverem sinais que mostrem claramente que o crime está a ser cometido e o agente está nele a participar.
Artigo 6.º (Detenção em Flagrante Delito)
- Qualquer autoridade judiciária ou entidade policial deve e qualquer cidadão pode, se nenhuma daquelas autoridades estiver presente ou não puder ser chamada em tempo útil, proceder à detenção em flagrante delito.
- Se a prisão tiver sido efectuada por qualquer cidadão, deve o detido ser entregue imediatamente à autoridade ou agente de autoridade que for encontrado mais próximo do local, procedendo-se à apresentação ao magistrado do Ministério Público.
- Quando o exercício da acção penal depender de queixa, a detenção só se mantém se o titular do respectivo direito vier exercê-lo em acto seguido, devendo, neste caso, a autoridade competente mandar levantar o respectivo auto.
- Efectuada a detenção, deve ser imediatamente levantado o correspondente auto de notícia e de seguida ser apresentado o detido ao magistrado do Ministério Público junto do Tribunal competente para promover julgamento sumário ou perante o magistrado do Ministério Público, junto dos órgãos de investigação criminal.
- Se o procedimento criminal depender de acusação particular, não há lugar à detenção em flagrante delito, mas apenas à identificação do infractor.
Artigo 7.º (Entrada no Lugar do Cometimento do Crime)
- Em caso de flagrante delito, por crime punível com pena de prisão superior a (6) seis meses, a entrada de dia, no lugar em que o facto está a ser cometido ou acabou de se cometer, ainda que não seja acessível ao público ou se trate de casa habitada ou suas dependências fechadas, que lhe pertença é, sem prejuízo do disposto no número seguinte, permitida sem qualquer formalidade.
- Se, em relação ao disposto no número anterior, houver oposição à entrada, pelo dono da casa ou lugar, e o captor não for nem autoridade judiciária nem entidade policial, deve aquele limitar-se a chamar qualquer uma destas entidades e a aguardar pela sua chegada ou saída do infractor.
- A entrada em casa alheia seja ou não habitada, ou suas dependências fechadas, somente é permitida com autorização dos moradores da casa ou seus donos, ou quando o mandado de captura expressamente o ordenar, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º.
- De noite, a entrada para efeito de detenção em casa habitada ou suas dependências fechadas, só é permitida com consentimento dos moradores e, se este for negado, o captor deve tomar as precauções necessárias para evitar a fuga da pessoa a prender.
- Em casos excepcionais, é admitida a entrada em casa habitada ou suas dependências fechadas, durante a noite, independentemente do consentimento dos moradores, desde que o captor seja portador e exiba autorização para o efeito, emitida por Magistrado Público.
- A entrada, durante a noite, não pode ser negada nas casas e lugares sujeitos por lei à fiscalização especial da polícia.
- É considerado noite o período compreendido entre as (19) dezanove e as (6) seis horas.
Artigo 8.º (Detenção Fora de Flagrante Delito)
- Fora de flagrante delito, a detenção só é permitida quando houver razões suficientes para crer que a pessoa a deter não se apresentaria voluntária e espontaneamente perante a autoridade judiciária no prazo que lhe fosse fixado.
- A detenção a que se refere o número anterior é efectuada mediante mandado do Magistrado do Ministério Público na fase de instrução preparatória e pelo juiz da causa nas restantes fases.
- As autoridades de polícia criminal podem também ordenar a detenção fora de flagrante delito, quando não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção do Magistrado do Ministério Público e nas seguintes situações:
- a)- Se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva;
- b)- Existirem elementos que tornem fundado o receio de fuga.
- No caso previsto no número anterior o detido deve ser presente ao Magistrado do Ministério Público dentro das (48) quarenta e oito horas após a detenção e as provas que a fundamentam sob pena de o detido ser imediatamente restituído à liberdade.
Artigo 9.º (Requisitos dos Mandados de Detenção)
- Os mandados de detenção são passados em triplicado e devem conter, sob pena de nulidade, o seguinte:
- a)- A identificação da pessoa a deter, com menção do nome e, se possível, da residência e mais elementos que possam identificá-la e facilitar a detenção;
- b)- A identificação e a assinatura da autoridade competente;
- c)- A indicação do facto que motivou a detenção e a sua fundamentação legal.
- No caso previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º, o mandado deve conter ainda a indicação da infracção cometida, a pena ou medida de segurança aplicada e a sentença que a decretou.
- Ao detido é exibido o mandado de detenção e entregue uma das cópias.
Artigo 10.º (Exequibilidade dos Mandados de Detenção)
- Os mandados de detenção são exequíveis em todo o território nacional e são executados por oficiais de diligências ou por quem os substituir, sendo sempre permitido aos mesmos o recurso à força pública.
- A execução dos mandados pode também ser solicitada aos órgãos da polícia ou às autoridades militares, quando necessário, podendo, para esse efeito, serem passados ou extrair-se deles cópias, tantos exemplares quantos os necessários.
- Os agentes encarregados do cumprimento do mandado de captura devem informar o arguido dos direitos que o assistem e da forma como os pode exercer.
- Quem proceder à detenção deve passar, no exemplar do mandado que tiver de ser junto ao processo, certidão mencionando o dia, hora e local em que a efectuou, assim como a entrega de uma cópia do mandado ao detido.
- Quando não tenha sido possível efectuar a detenção, deve, quem dela for encarregado, elaborar certidão, indicando os motivos por que não a efectuou e entregar os mandados a quem a ordenou.
- É instaurado procedimento disciplinar ou penal nos termos previstos na legislação penal contra o captor que certificar falsamente a impossibilidade de cumprimento do mandado.
Artigo 11.º (Incomunicabilidade do Detido)
- O detido não pode comunicar-se com pessoa alguma antes do primeiro interrogatório, salvo com o seu advogado ou familiar a comunicar a pretensão da constituição de mandatário.
- Sem prejuízo do disposto no número anterior, enquanto durar a instrução preparatória, o Magistrado do Ministério Público pode proibir a comunicação do arguido com certas pessoas ou condicioná-la, se tal se mostrar indispensável para evitar tentativas de perturbação da instrução do processo.
Artigo 12.º (Primeiro Interrogatório de Arguido Detido)
- O arguido detido que não deva ser julgado em processo sumário é interrogado pelo Magistrado do Ministério Público no prazo máximo de (48) quarenta e oito horas após a detenção, sob pena de irregularidade processual, para o que lhe deve ser presente com a indicação dos motivos e das provas que a fundamenta.
- O interrogatório é efectuado na presença do advogado constituído, se o detido o tiver, caso em que deve ser convocado, por qualquer meio, para assistir à diligência.
- Na falta de advogado constituído ou se o advogado constituído não puder ser convocado ou se, convocado, não comparecer em tempo útil, é nomeado ao arguido detido um defensor, de preferência entre advogados, advogados estagiários ou licenciados em direito.
- Havendo fundado receio de que o prazo de (48) quarenta e oito horas, a que se refere o número 1, seja insuficiente para apresentar o detido perante o magistrado competente para o respectivo processo, o primeiro interrogatório é feito pelo magistrado competente da área em que a detenção ocorreu, se o houver.
- Quando o prazo referido no número 1 termine em domingo ou dia feriado, e não seja possível ouvir-se o apresentado, o interrogatório deve ser efectuado no primeiro dia útil.
Artigo 13.º (Modo de Interrogar o Arguido Detido)
- O detido é interrogado em auto apropriado e de acordo com as disposições da legislação processual aplicável.
- O detido pode ditar as suas respostas, mas se não o fizer, são ditadas pelo Magistrado do Ministério Público mantendo-se, tanto quanto possível, as expressões proferidas pelo respondente, de forma que cada palavra possa ser bem compreendida por ele.
- Encerrado o interrogatório, o auto é lido ao arguido detido, consignando-se expressamente se o ratifica ou que alterações devem, em seu entender, ser introduzidas.
- Ao defensor é vedada qualquer interferência no decurso do interrogatório, mas pode lavrar protestos, arguir nulidades, fazer pedidos de esclarecimento relativamente às respostas e, no fim, requerer ao magistrado competente que formule ao arguido detido as perguntas que achar relevantes para o esclarecimento da verdade.
Artigo 14.º (Constituição de Advogado)
O advogado pode ser constituído verbalmente pelo detido, consignando-se o facto nos autos, ou pelo cônjuge, companheiro de união de facto, pelos seus ascendentes, descendentes ou outros parentes até ao 6.º grau da linha colateral e respectivos afins.
Artigo 15.º (Despacho do Magistrado do Ministério Público)
- Findo o interrogatório e lavrado o correspondente auto, o Magistrado do Ministério Público deve:
- a)- Validar a detenção e ordenar a prisão preventiva ou aplicar outra medida de coacção, se considerar verificados os pressupostos de facto e de direito;
- b)- Restituir o detido à liberdade, se não considerar verificados os pressupostos.
- A decisão que o Magistrado do Ministério Público tomar deve ser sempre fundamentada.
CAPÍTULO III MEDIDAS DE COACÇÃO PESSOAL
SECÇÃO I DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 16.º (Tipologia das Medidas)
Sem prejuízo do previsto no artigo 61.º da Constituição da República de Angola, são medidas de coacção pessoal as seguintes:
- a)- O Termo de identidade e residência;
- b)- A Obrigação de apresentação periódica às autoridades;
- c)- A Caução;
- d)- A Proibição e a obrigação de permanência em local concreto e a proibição de contactos;
- e)- A Interdição de saída do País;
- f)- A Prisão domiciliária;
- g)- A Prisão preventiva.
Artigo 17.º (Princípio da Legalidade)
As medidas de coacção pessoal são exclusivamente as previstas na presente Lei e só elas e a detenção podem, em função de exigências processuais de natureza cautelar, limitar a liberdade das pessoas.
Artigo 18.º (Princípios da Necessidade, Adequação, Proporcionalidade e Subsidiariedade)
- As medidas de coacção a aplicar pelo Magistrado do Ministério Público devem ser as necessárias e adequadas às exigências do caso concreto e proporcionais à gravidade da infracção.
- As medidas de coacção mais gravosas para o arguido só devem, sem prejuízo do disposto quanto à cumulação, ser aplicadas se, em concreto, não forem suficientes ou adequadas as menos gravosas.
Artigo 19.º (Pressupostos de Aplicação das Medidas de Coacção)
- Nenhuma medida de coacção, à excepção do termo de identidade e residência pode ser aplicada se, no momento da sua aplicação, não se verificar alguma das seguintes circunstâncias:
- a)- Fuga ou perigo de fuga;
- b)- Perigo de perturbação da instrução do processo, nomeadamente, à produção, conservação e integridade da prova;
- c)- Perigo da continuação da actividade criminosa ou de perturbação grave da ordem e tranquilidade pública, em função da natureza, das circunstâncias do crime e da personalidade do arguido.
- Nenhuma medida de coacção pessoal deve ser aplicada, havendo fundadas razões para crer na existência de causas de extinção da responsabilidade criminal do arguido.
Artigo 20.º (Despacho de Aplicação das Medidas de Coacção)
- As medidas de coacção pessoal são aplicadas por despacho do Magistrado do Ministério Público, na fase de instrução preparatória.
- O despacho é notificado ao arguido, com a advertência das consequências do incumprimento das obrigações que lhe são impostas e, tratando-se de prisão preventiva, notificado também ao seu defensor.
Artigo 21.º (Requisitos do Despacho)
O despacho que aplicar medida de coacção pessoal, à excepção do termo de identidade e residência, deve conter, sob pena de irregularidade:
- a)- A descrição sumária dos factos imputados ao arguido;
- b)- A indicação dos indícios recolhidos nos processos que comprovem os factos imputados, sempre que essa indicação não possa pôr em risco o êxito da investigação ou a integridade física e a vida dos participantes processuais ou da vitima do crime;
- c)- A qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido;
- d)- A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos da aplicação da medida.
Artigo 22.º (Violação das Obrigações Impostas)
Se o arguido violar as obrigações que lhe foram impostas por uma medida de coacção, o Magistrado do Ministério Público, na fase de instrução preparatória, ou o juiz, nas fases subsequentes, pode, considerando a gravidade do crime que lhe é imputado, bem como os motivos que determinaram a violação, impor-lhe outra ou outras medidas adequadas ao caso e legalmente admissíveis.
Artigo 23.º (Revogação e Substituição das Medidas de Coacção)
- As medidas de coacção aplicadas devem ser revogadas pelo Juiz do Tribunal territorialmente competente, quando se verifique que:
- a)- Não foram aplicadas nas circunstâncias em que a lei o permite;
- b)- As circunstâncias deixarem de as justificar.
- A revogação não impede que uma medida revogada seja de novo imposta, se as circunstâncias que a justificam voltarem a ocorrer, mas em tal caso, deve ser respeitada a unidade do prazo legal, que se conta como se a medida não tivesse sido interrompida.
- Quando as circunstâncias se alterem de forma a que uma medida de coacção se torne excessiva, pode o juiz substituí-la por outra menos gravosa para o arguido, ou determinar uma forma menos gravosa de a executar.
- A revogação e a substituição são requeridas pelo Magistrado do Ministério Público ou pelo arguido ou ordenadas oficiosamente pelo juiz, depois de ouvidos os sujeitos processuais.