Lei n.º 29/21 de 09 de novembro
- Diploma: Lei n.º 29/21 de 09 de novembro
- Entidade Legisladora: Assembleia Nacional
- Publicação: Diário da República Iª Série n.º 211 de 9 de Novembro de 2021 (Pág. 8342)
Assunto
Sobre a Reprodução Humana Medicamente Assistida.
Conteúdo do Diploma
A infertilidade é um problema de saúde pública com implicações médicas, sociais, culturais, religiosas e psicológicas. A situação de infertilidade pode provocar efeitos negativos tanto na esfera individual como conjugal, podendo desestabilizar as relações dos casais e ocasionar um decréscimo na qualidade de vida das famílias. A obstaculização do projecto parental pela infertilidade impõe aos casais um enorme sofrimento emocional e social, que legitima o anseio em superá-la, nomeadamente nas famílias africanas, como é o nosso caso. O aumento das taxas de sobrevida e cura após os tratamentos de doenças graves do foro neoplásico e outras possibilita um planeamento reprodutivo às pessoas acometidas antes de intervenção com risco de levar à infertilidade. Considerando o avanço do conhecimento científico e as novas tecnologias reprodutivas que têm proporcionado várias alternativas terapêuticas para a infertilidade, ampliando, sobremaneira, as possibilidades de os casais procriarem: A Assembleia Nacional aprova, por mandato do povo, nos termos das disposições combinadas do n.º 1 do artigo 77.º, da alínea b) do artigo 164.º e da alínea d) do n.º 2 do artigo 166.º, todos da Constituição da República de Angola, a seguinte:
LEI SOBRE A REPRODUÇÃO HUMANA MEDICAMENTE ASSISTIDA CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 1.º (Objecto)
A presente Lei regula a utilização de técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, nomeadamente:
- a)- Inseminação Artificial;
- b)- Fecundação Laboratorial ou Fertilização in Vitro;
- c)- Diagnóstico Genético Pré-Implantacional;
- d)- Injecção Intracitoplasmática de Espermatozóides;
- e)- Transferência de Embriões, Gâmetas ou Zigotos;
- f)- Outras técnicas laboratoriais de manipulação de gâmetas ou embriões, equivalentes ou subsidiárias.
Artigo 2.º (Âmbito)
- A presente Lei aplica-se a todas as pessoas que, sendo casadas formal ou costumeiramente e às que vivam em união de facto, ainda que não reconhecida, tenham sido diagnosticadas com infertilidade, doença grave ou risco de transmissão de doenças de origem genética ou infecciosa ao feto por profissional de saúde e que decidam recorrer às técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, realizadas nos centros autorizados e por profissionais de saúde devidamente qualificados para o efeito.
- A presente Lei aplica-se, com as devidas adaptações, às pessoas solteiras ou sem companheiros e que decidam recorrer às técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida por meio de doação de gâmetas, embriões, e de maternidade de substituição.
Artigo 3.º (Princípios Gerais)
A utilização de técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida rege-se, dentre outros, pelos seguintes princípios:
- a)- Respeito à dignidade da pessoa humana;
- b)- Igualdade e não discriminação;
- c)- Consentimento expresso, informado, esclarecido e livre;
- d)- Impossibilidade de alternativa de procriação;
- e)- Respeito pelos valores éticos, deontológicos e bioéticos.
Artigo 4.º (Princípio do Respeito à Dignidade da Pessoa Humana)
As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida devem respeitar a dignidade da pessoa humana, em especial os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, consagrados na Constituição da República de Angola.
Artigo 5.º (Princípio da Igualdade e não Discriminação)
As pessoas que reúnem os requisitos dispostos na presente Lei podem beneficiar-se das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, sendo proibida qualquer discriminação com base no património genético ou no facto de ter nascido em resultado das referidas técnicas.
Artigo 6.º (Princípio do Consentimento)
A utilização das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida está sujeita ao consentimento prévio, informado e devidamente fundamentado do beneficiário.
Artigo 7.º (Princípio da Impossibilidade de Alternativa de Procriação)
As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida são usadas apenas quando não for possível, por outros meios, o Tratamento da Infertilidade ou de Procriação.
Artigo 8.º (Princípio do Respeito aos Valores Éticos, Deontológicos e Bioéticos)
A utilização das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida deve respeitar os valores éticos, deontológicos e bioéticos que a regem, sendo proibida toda a acção ou omissão que os viole.
Artigo 9.º (Definições)
Para efeitos da presente Lei, entende-se por:
- a)- «Diagnóstico Genético Pré-lmplantacional de Embriões» - diagnóstico das alterações genéticas e cromossómicas dos embriões, no qual se realiza uma biópsia que consiste na retirada de um fragmento embrionário, antes da sua implantação na cavidade uterina da mulher;
- b)- «Embrião Humano» - ser humano fruto da fusão dos núcleos dos gâmetas masculino e feminino, nas primeiras oito semanas de gestação, que constitui o fim da organogénese;
- c)- «Fecundação Laboratorial ou Fertilização in Vitro» - fusão de um óvulo ou ovócito colhido do ovário da mulher e de um espermatozóide, fora do corpo da mulher, utilizando um cristal de laboratório, com o objectivo de obter um número de embriões para transferir para a cavidade uterina materna;
- d)- «Feto» - ser humano resultante da concepção após a organogénese a partir das oito semanas e até ao nascimento;
- e)- «Gâmetas» - os espermatozóides e os óvulos;
- f)- «Híbridos» - ser vivo que é proveniente do cruzamento de indivíduos de espécies distintas;
- g)- «Infertilidade» - incapacidade de uma pessoa para alcançar a concepção após um ano ou mais de actos sexuais regulares sem protecção com métodos anticoncepcionais, comprovada mediante diagnóstico médico de incapacidade de procriação;
- h)- «Injecção Intracitoplasmática de Espermatozóides» - procedimento que consiste na injecção de um único espermatozóide vivo no citoplasma do ovócito ou óvulo;
- i)- «Inseminação Artificial» - introdução, com ajuda de instrumentos, de espermatozóides capacitados para o interior das vias genitais da mulher sob controlo ecográfico;
- j)- «Maternidade de Substituição» - situação em que uma mulher assume e compromete-se a, por conta de outrem, carregar um embrião ou feto que foi concebido por meio de um procedimento de reprodução assistida e derivada dos gâmetas de um doador ou doadores;
- k)- «Medicina Reprodutiva ou Medicina da Reprodução» - especialidade médica que trata das questões da reprodução humana, nos casos de infertilidade masculina, infertilidade feminina e infertilidade conjugal, tendo como finalidade auxiliar os indivíduos com dificuldades para procriar e ter gravidezes saudáveis;
- l)- «Quimera» - embrião no qual uma célula de qualquer forma de vida não humana foi introduzida ou ainda um embrião formado por células de mais de um embrião, feto ou ser humano;
- m)- «Reprodução Humana Medicamente Assistida» - métodos que permitem induzir uma gravidez fora da união natural do homem e da mulher;
- n)- «Transferência de Gâmetas ou Zigotos e Embriões» - introdução, com a ajuda de um instrumento chamado cateter, de espermatozóides, de óvulos e de embriões na cavidade uterina sob controlo ecográfico;
- o)- «Embriões Criopreservados ou Congelamento» - procedimento realizado quando existem embriões excedentes e de boa qualidade após uma tentativa de Fertilização in Vitro (FIV) ou Fertilização in Vitro com Micromanipulação de Gâmetas (ICSI).
Artigo 10.º (Condições de Admissibilidade)
- As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida são métodos subsidiários e não alternativos de procriação a serem aplicados a toda mulher, com plena capacidade para ser receptora ou usuária dos procedimentos regulados na presente Lei, após o consentimento de ambos os cônjuges ou companheiros de união de facto, ainda que não reconhecida, de forma escrita, livre, consciente e expressa.
- A utilização de técnica de Reprodução Humana Medicamente Assistida só se pode verificar mediante diagnóstico de infertilidade, ou ainda, sendo caso disso, para tratamento de doença grave ou do risco de transmissão de doenças de origem genética, infecciosa ou outras doenças.
- As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida são realizadas quando houver possibilidades razoáveis de êxito e não acarretem risco grave à saúde, física ou psíquica, da mulher ou possível descendência.
- A aceitação das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida pelos cônjuges beneficiários deve ficar reflectida num formulário de consentimento informado e esclarecido no qual se faz menção expressa de todas as condições concretas de cada caso para a sua aplicação.
- Qualquer beneficiário das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida pode pedir que se suspenda a sua aplicação em qualquer momento da sua realização anterior à transferência embrionária e o seu pedido deve ser atendido.
- Todos os dados relativos à utilização das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida devem estar registados em histórias clínicas individuais, tratadas com as devidas garantias de confidencialidade, respeito da identidade dos doadores, dos dados e condições dos usuários e as circunstâncias que concorram na origem dos filhos nascidos desses procedimentos.
Artigo 11.º (Centros Autorizados e Pessoal Qualificado)
- As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida devem ser realizadas, apenas, em centros públicos e privados expressamente autorizados pelo Departamento Ministerial responsável pelo Sector da Saúde, sob parecer do Conselho de Ética em Reprodução Humana Medicamente Assistida (CERHUMA).
- Os centros que aplicam as técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida devem ser responsáveis pelo controlo de doenças infecto-contagiosas, pela colheita, pelo manuseio, pela conservação, pela distribuição, pela transferência e pelo descarte de material biológico humano dos pacientes que forem atendidos com o fim de procriação.
- Os centros devem fazer o acompanhamento psicológico dos beneficiários antes e durante todas as fases da Reprodução Humana Medicamente Assistida.
- São definidos em diploma próprio:
- a)- As qualificações exigidas às equipas de profissionais;
- b)- O modo e os critérios de avaliação periódica da qualidade técnica;
- c)- As situações em que a autorização de funcionamento pode ser revogada.
Artigo 12.º (Beneficiários)
- Os beneficiários das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida são as pessoas casadas nos termos da lei e do costume ou que vivam em união de facto, ainda que não reconhecida, bem como as pessoas solteiras ou sem companheiros que reúnam os requisitos estabelecidos no artigo 2.º da presente Lei.
- As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida apenas podem ser utilizadas em benefício de quem tenha, cumulativamente, maior idade e não padeça de quaisquer das formas de incapacidade estabelecidas na lei.
Artigo 13.º (Finalidades Proibidas)
- É proibida a clonagem reprodutiva, tendo como objectivo criar seres humanos geneticamente idênticos a outros, usando qualquer técnica, ou transplantar um clone humano num ser humano ou em qualquer forma de vida não humana ou dispositivo artificial.
- É proibida a utilização das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida para conseguir obter determinadas características não médicas do concepturo, nomeadamente a escolha do sexo.
- Exceptuam-se do disposto no número anterior os casos em que haja risco elevado de doença genética ligada ao sexo, e para a qual não seja ainda possível a detecção por diagnóstico pré- natal ou diagnóstico genético pré-implantação, ou quando seja ponderada a necessidade de obter grupo de antigénios leucocitários humanos compatível para efeitos de tratamento de doença grave.
- As técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida não podem ser utilizadas com o objectivo de originarem quimeras ou híbridos.
- É proibida a aplicação das técnicas de diagnóstico genético pré-implantacional em doenças multifactoriais onde o valor preditivo do teste genético seja muito baixo.
Artigo 14.º (Investigação com Recurso a Embriões)
- É proibida a criação de embriões através da Reprodução Humana Medicamente Assistida com objectivo deliberado da sua utilização na investigação científica.
- É, no entanto, lícita a investigação científica em embriões com objectivo de prevenção, diagnóstico ou terapia de embriões, aperfeiçoamento das técnicas de Reprodução Humana Medicamente Assistida, constituição de bancos de células estaminais para programas de transplantação ou quaisquer outras finalidades terapêuticas.
- O recurso a embriões para os projectos de investigação científica apenas deve ser permitido, desde que seja razoável esperar que daí possa resultar benefício para a humanidade, dependendo cada projecto de apreciação e decisão do Conselho de Ética em Reprodução Humana Medicamente Assistida (CERHUMA).
- Para efeitos de investigação científica só podem ser utilizados:
- a)- Embriões criopreservados excedentários, em relação aos quais não exista nenhum projecto parental;
- b)- Embriões cujo estado não permita a transferência ou a criopreservação com fins de procriação;
- c)- Embriões que sejam portadores de anomalia genética grave, no quadro do diagnóstico genético pré-implantação.
- O recurso a embriões nas condições das alíneas a) e c) do número anterior depende da obtenção de prévio consentimento expresso, informado e consciente dos beneficiários aos quais se destinam.