Lei n.º 29/22 de 29 de agosto
- Diploma: Lei n.º 29/22 de 29 de agosto
- Entidade Legisladora: Assembleia Nacional
- Publicação: Diário da República Iª Série n.º 163 de 29 de Agosto de 2022 (Pág. 6191)
Assunto
Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum. - Revoga a Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro, Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum, e a Lei n.º 4/22, de 17 de Março, Lei das Secretarias Judiciais e Administrativas, e toda a legislação que contrarie o disposto na presente Lei.
Conteúdo do Diploma
A conformação da organização judiciária dos Tribunais da Jurisdição Comum operada pela Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro - Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum - assentou em três vectores essenciais alicerçados numa nova matriz judiciária, num novo modelo de gestão e numa nova organização de competências, acentuando- se a especialização, assumida como indutora da qualidade, da celeridade processual e do acesso à justiça. Havendo a necessidade de se aperfeiçoar o sistema de organização e funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum criados pela Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro, por forma a dar resposta aos constrangimentos no acesso à justiça, através da simplificação e modernização dos serviços e correcção pontual do mapa judiciário com a criação de novos Tribunais de Comarca onde se mostra necessário: A Assembleia Nacional aprova, por mandato do povo, nos termos da alínea h) do artigo 164.º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 166.º, todos da Constituição da República de Angola, a seguinte:
LEI ORGÂNICA SOBRE A ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS DA JURISDIÇÃO COMUM CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS E PRINCÍPIOS SECÇÃO I DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 1.º (Finalidade e Âmbito)
A presente Lei Orgânica estabelece os princípios e as regras gerais da organização e funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum.
Artigo 2.º (Definição)
Os Tribunais da Jurisdição Comum são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, em todas as matérias cuja competência não seja atribuída a outras jurisdições, em conformidade com a Constituição e de acordo com a lei.
Artigo 3.º (Função Jurisdicional)
- A função jurisdicional comum na República de Angola é exercida pelo Tribunal Supremo, pelos Tribunais da Relação e pelos Tribunais de Comarca.
- No exercício da sua função jurisdicional, compete aos Tribunais da Jurisdição Comum dirimir conflitos de interesse público ou privado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, bem como os princípios do acusatório e do contraditório e reprimir as violações da legalidade democrática.
Artigo 4.º (Decisões dos Tribunais)
- As decisões dos Tribunais da Jurisdição Comum são de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos e demais pessoas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades, nos termos da Constituição e da lei.
- A lei regula os termos da execução das decisões dos Tribunais da Jurisdição Comum, sanciona os responsáveis pelo seu incumprimento e responsabiliza criminalmente as autoridades públicas e privadas que concorram para a sua obstrução.
Artigo 5.º (Acompanhamento e Apreciação do Funcionamento dos Tribunais)
- Compete ao Conselho Superior da Magistratura Judicial acompanhar o funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum, emitindo recomendações e pareceres sobre todas as matérias relacionadas com a administração da justiça, com vista ao seu aprimoramento, nos termos da lei.
- O Conselho Superior da Magistratura Judicial pode realizar reuniões com os órgãos que intervêm na administração da justiça, sempre que for necessário.
Artigo 6.º (Dever de Cooperação)
- Todas as entidades públicas e privadas têm o dever de cooperar com os Tribunais da Jurisdição Comum na execução das suas funções, devendo praticar, nos limites da sua competência, os actos que lhes forem solicitados pelos mesmos.
- O disposto no número anterior abrange o auxílio das autoridades e das forças de segurança pública, para assegurar a guarda das instalações, a protecção dos membros do Tribunal e a manutenção da ordem.
Artigo 7.º (Ano Judicial)
- O ano judicial correspondente aos Tribunais da Jurisdição Comum tem início a 1 de Março, e termina no último dia do mês de Fevereiro do ano seguinte, sem prejuízo do período de férias judiciais.
- A abertura do ano judicial é assinalada com a realização de uma cerimónia solene em que tomam a palavra o Presidente da República, o Presidente do Tribunal Supremo, o Procurador-Geral da República e o Bastonário da Ordem dos Advogados.
Artigo 8.º (Férias judiciais)
- Entende-se por férias judiciais o período de suspensão da prática dos actos judiciais durante o qual é assegurado o serviço urgente, mediante turnos e a organização interna do Tribunal e dos processos, bem como os demais actos previstos na lei.
- As férias judiciais decorrem de 22 de Dezembro ao último dia do mês de Fevereiro do ano seguinte.
- Para efeito da presente Lei Orgânica, entende-se por Serviço Urgente o que deva ser executado durante as férias judiciais, nomeadamente:
- a)- Tratamento de providências cautelares e de processos com réus presos;
- b)- Prática de actos e diligências previstos nos Códigos de Processo, na Lei de Cooperação Judiciária Internacional em matéria Penal, na legislação referente à protecção de crianças e jovens em perigo e no regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional;
- c)- Outros actos que as necessidades do serviço urgente justificarem.
Artigo 9.º (Turnos)
- Nos Tribunais da Jurisdição Comum, organizam-se turnos para assegurar o serviço que deva ser executado durante as férias judiciais, ou quando o serviço o justifique.
- São ainda organizados turnos para assegurar o serviço urgente previsto na lei que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos.
- No Tribunal Supremo e nos Tribunais da Relação, os turnos são organizados pelos respectivos Juízes Presidentes e, no caso do Ministério Público, pelo Procurador-Geral da República e pelo Sub-Procurador Geral da República Titular, respectivamente.
- Nos Tribunais de Comarca, compete ao Juiz Presidente a organização de turnos e no caso do Ministério Público compete ao Procurador da República Titular.
SECÇÃO II PRINCÍPIOS
Artigo 10.º (Independência dos Tribunais)
No exercício da função jurisdicional os Tribunais da Jurisdição Comum são independentes e imparciais, estando apenas sujeitos à Constituição e à lei.
Artigo 11.º (Garantia de Acesso ao Direito e aos Tribunais)
A todos é assegurado o acesso ao direito e aos Tribunais da Jurisdição Comum para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência dos meios económicos ou financeiros.
Artigo 12.º (Tutela Jurisdicional Efectiva)
- Todos têm direito à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer Tribunal da Jurisdição Comum, nos termos da lei.
- Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
- Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
- A protecção jurídica através dos Tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.
Artigo 13.º (Garantias do Processo Criminal e da Presunção de Inocência)
- Ninguém pode ser detido, preso ou submetido a julgamento, senão nos termos previstos na Constituição e na lei.
- Os Tribunais da Jurisdição Comum asseguram as garantias do processo criminal, nomeadamente a legalidade das detenções e prisões, a presunção da inocência, até ao trânsito em julgado das decisões, o princípio do contraditório e a legalidade na obtenção e valoração das provas.
Artigo 14.º (Imparcialidade, Publicidade e Lugar das Audiências Judiciais)
- Todos os cidadãos têm direito a um julgamento imparcial, devendo o Tribunal assegurar, em todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes.
- As audiências dos Tribunais são públicas, salvo quando o próprio Tribunal, em despacho fundamentado, decidir o contrário, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento.
- As audiências nos Tribunais decorrem, em regra, na sede do respectivo Tribunal, podendo realizar-se em outro local, dentro da respectiva Comarca, quando o interesse da justiça o aconselhar.
Artigo 15.º (Autonomia Administrativa e Financeira)
- Os Tribunais da Jurisdição Comum gozam de autonomia administrativa e financeira, nos termos da Constituição, da presente Lei Orgânica e demais legislação aplicável.
- Sem prejuízo do disposto nos Leis Orgânicos do Tribunal Supremo e dos Tribunais da Relação, o Conselho Superior da Magistratura Judicial tem competência para supervisionar a actividade dos Tribunais de Jurisdição Comum em matéria de execução orçamental.
- O Conselho Superior da Magistratura Judicial apresenta a proposta orçamental e representa os Tribunais da Jurisdição Comum no processo de discussão e elaboração do Orçamento Geral do Estado.
- O Conselho Superior da Magistratura Judicial faz a gestão dos magistrados judiciais e dos funcionários judiciais, nos termos da Constituição.
CAPÍTULO II MAGISTRADOS JUDICIAIS
SECÇÃO I DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 16.º (Independência dos Juízes)
- Os Juízes são independentes, no exercício das suas funções, e apenas devem obediência à Constituição e à lei.
- Os Juízes são inamovíveis, não podendo ser transferidos, promovidos, substituídos, suspensos, reformados ou demitidos, senão nos casos previstos na Constituição e na lei, e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas, em via de recurso ou de reclamação, pelos Tribunais Superiores.
- Os Juízes não são responsáveis pelas decisões que proferem no exercício das suas funções, salvo as restrições impostas por lei.
- O Estatuto dos Magistrados Judiciais define os termos da gestão, inspecção, avaliação e disciplina dos Juízes.
Artigo 17.º (Dever de Fundamentação)
As decisões dos Tribunais da Jurisdição Comum, que não sejam de mero expediente, são fundamentadas na forma prevista na lei.
Artigo 18.º (Juiz de Turno)
Aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira, no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos e em caso de necessidade, deve haver Juízes de Turno para assegurar os serviços urgentes previstos no artigo 9.º da presente Lei Orgânica.
SECÇÃO II OUTRAS DISPOSIÇÕES
Artigo 19.º (Designação dos Juízes de Garantia)
- No Tribunal Supremo, as funções de Juiz de Garantia são exercidas pelos Juízes Conselheiros da Câmara Criminal, obedecendo ao seguinte:
- a)- As funções de Juiz de Garantia são exercidas, rotativamente, por todos os Juízes da Câmara, por mandatos de um ano, iniciando-se por aqueles que nela exerçam funções há mais tempo.
- b)- O Juiz que pratique qualquer acto no processo como Juiz de Garantia não pode intervir na fase de julgamento do mesmo.
- c)- Em cada ano judicial, são designados, pelo menos, dois Juízes de Garantia.
- Para o exercício de funções de Juiz de Garantia, nos Tribunais da Relação, aplicam-se as regras estabelecidas no n.º 1.
- Nos Tribunais de Comarca, as funções de Juiz de Garantia são exercidas por Juízes de Direito em exercício de funções nos Tribunais com jurisdição criminal ou, quando não for possível, por Juízes em exercício noutro Tribunal, por designação do Conselho Superior da Magistratura Judicial.
- O exercício das funções de Juiz de Garantia, nos Tribunais de Comarca, não deve exceder o período de três anos consecutivos, a não ser que a conveniência de serviço imponha solução diversa.
- O quadro de Juízes de Garantia, que integra o Tribunal de Comarca, é definido pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, em função do volume processual da respectiva Comarca.
Artigo 20.º (Consultores e Assessores - Gabinete de Apoio Técnico aos Magistrados)
- O Tribunal Supremo e os Tribunais da Relação dispõem de um Gabinete de Apoio Técnico aos Magistrados.
- O gabinete referido no número anterior integra consultores, assessores e técnicos administrativos de nacionalidade angolana, que auxiliam os Magistrados Judiciais e do Ministério Público, sempre que o volume ou a complexidade do serviço o justifiquem, dentro dos limites das disponibilidades orçamentais.
- Os consultores são preferencialmente Doutores ou Mestres, contratados em regime de avença ou por tarefa.
- Os assessores são licenciados em direito e contratados em regime de exclusividade.
- Sem prejuízo do disposto no número anterior, os Juízes em exercício de funções que não forem licenciados em direito podem exercer funções como assessores, se não tiverem atingido a idade de jubilação.
- Os consultores e assessores, para além do apoio técnico-jurídico, auxiliam os Juízes, designadamente, na elaboração dos sumários, na consulta de bibliografia e de jurisprudência, na preparação dos Acórdãos, o que o fazem, igualmente, em relação ao Ministério Público com as devidas adaptações.
- Os consultores e assessores, bem como os demais técnicos administrativos do Gabinete de Apoio Técnico aos Magistrados, são nomeados e exonerados pelo Presidente do respectivo Tribunal, mediante proposta do Juiz interessado, sem prejuízo do disposto na Lei das Secretarias Judiciais e Administrativas.
- A remuneração dos consultores, dos assessores e dos técnicos administrativos é definida no Estatuto Remuneratório dos Oficiais e Técnicos de Justiça.