Lei n.º 38/20 de 11 de novembro
- Diploma: Lei n.º 38/20 de 11 de novembro
- Entidade Legisladora: Assembleia Nacional
- Publicação: Diário da República Iª Série n.º 179 de 11 de Novembro de 2020 (Pág. 5369)
Assunto
Aprova o Código Penal Angolano. - Revoga o Código Penal de 1886, os diplomas legais que substituíram qualquer dos seus preceitos e todas as disposições legais que prevejam ou punam factos incriminados pelo presente Código Penal e toda a legislação que contrarie o Código Penal aprovado pela presente Lei, nomeadamente os artigos 1.º a 6.º e o parágrafo único do artigo 10.º da Lei n.º 11/75, de 15 de Dezembro, os artigos 4.º, 7.º, 12.º a 15.º, 17.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º, 24.º e 33.º do Decreto n.º 231/79, de 26 de Julho, a Lei n.º 4/77, de 25 de Fevereiro, a Lei n.º 23/10, de 3 de Dezembro, o artigo 33.º da Lei n.º 9/81, de 2 de Novembro, os n.os 1 e 3 do artigo 14.º da Lei n.º 16/91, de 11 de Maio, os artigos 25.º a 28.º da Lei n.º 23/91, de 15 de Junho, os artigos 1275.º a 1278.º do Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44.129, de 28 de Dezembro de 1961, os artigos 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 38.º, 39.º e 40.º da Lei n.º 3/10, de 29 de Março, e a Lei n.º 3/14, de 10 de Fevereiro.
Conteúdo do Diploma
O contexto político, económico, social e cultural da Angola independente e soberana e os desafios da globalização no domínio criminal tornam imperiosa a substituição do Código Penal Português de 1886 por um Código Penal Angolano que tutele os bens jurídicos essenciais à salvaguarda do Estado e dos cidadãos, bem como do desenvolvimento das instituições;
- Impondo-se que se adopte um Código Penal adequado aos princípios e valores fundamentais em que assenta a República de Angola, consagrados na Constituição, aos progressos da ciência do direito penal e às fundamentais linhas orientadoras da política criminal moderna;
- A Assembleia Nacional aprova, por mandato do povo, ao abrigo das disposições conjugadas das alíneas b), c) e e) do artigo 164.º da Constituição da República de Angola, a seguinte:
LEI QUE APROVA O CÓDIGO PENAL ANGOLANO
Artigo 1.º (Aprovação)
É aprovado o Código Penal Angolano, que é parte integrante da presente Lei.
Artigo 2.º (Limites das Penas)
- As penas de prisão estabelecidas em qualquer preceito penal sempre que tiverem duração mínima inferior ou máxima superior aos limites previstos no n.º 1 do artigo 44.º do Código Penal são, respectivamente, aumentadas ou diminuídas para esses limites.
- As penas de multa estabelecidas em leis penais com duração ou quantitativo inferior ou superior aos limites mínimo e máximo fixados no n.º 1 do artigo 47.º do Código Penal são alteradas em conformidade com o disposto no número anterior.
Artigo 3.º (Remissões)
As remissões constantes de outras leis penais para preceitos do Código Penal anterior consideram-se feitas para as disposições correspondentes do Código Penal aprovado pela presente Lei.
Artigo 4.º (Regime Transitório)
- Enquanto se mantiverem em vigor normas penais incriminadoras que prevejam penalidades mistas de prisão e multa, soma-se sempre a multa directamente aplicada à que resulta da substituição da prisão por multa.
- No caso do número anterior, é aplicável à multa única o disposto no artigo 49.º do Código Penal.
- A Unidade de Referência Processual equivale à Unidade de Correcção Fiscal.
Artigo 5.º (Responsabilidade Penal Juvenil)
- Enquanto não forem criados os estabelecimentos de recuperação, de educação e de formação previstos na alínea c) do n.º 3 do artigo 17.º do Código Penal, considera-se o seguinte:
- a)- As penas de privação de liberdade aplicadas a menores de 16 a 18 anos são cumpridas nos estabelecimentos penitenciários exclusivamente destinados aos jovens delinquentes;
- b)- Na falta de estabelecimentos penitenciários exclusivamente destinados a jovens delinquentes, as penas de privação de liberdade aplicadas a menores são cumpridas em secções autónomas de outros estabelecimentos penitenciários, separadas por forma a evitar qualquer contacto com condenados adultos, e dotados de pessoal capacitado para as tarefas de prevenção criminal e da recuperação social.
- Na instauração, instrução e julgamento de crimes cometidos por menores, o Tribunal competente toma em consideração a Lei do Julgado de Menores que regula a aplicação de medidas de prevenção criminal, com as adaptações indispensáveis ao apuramento da responsabilidade penal do menor, podendo o juiz dispensar os actos processuais que entender desnecessários ou praticar outros, regulados pela Lei Processual Penal Comum, que reputar imprescindíveis à realização do fim do processo.
- O registo criminal de menores de 18 anos de idade é confidencial e dos respectivos certificados deve ser excluída qualquer menção à condenação ou outro acto processual respeitante a crimes por eles cometidos, salvo quando forem requisitados, para fins de instrução processual, por magistrado judicial ou do Ministério Público.
Artigo 6.º (Revogação da Legislação)
- São revogados o Código Penal de 1886, os diplomas legais que substituíram qualquer dos seus preceitos e todas as disposições legais que prevejam ou punam factos incriminados pelo presente Código Penal.
- É revogada toda a legislação que contrarie o Código Penal aprovado pela presente Lei, nomeadamente:
- a)- Os artigos 1.º a 6.º e o parágrafo único do artigo 10.º da Lei n.º 11/75, de 15 de Dezembro - Lei da Disciplina do Processo Produtivo;
- b)- Os artigos 4.º, 7.º, 12.º a 15.º, 17.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º, 24.º e 33.º do Decreto n.º 231/79, de 26 de Julho - que Disciplina o Trânsito Automóvel;
- c)- A Lei n.º 4/77, de 25 de Fevereiro - Lei sobre a Prevenção e Repressão do Crime de Mercenarismo;
- d)- A Lei n.º 23/10, de 3 de Dezembro - Lei dos Crimes Contra a Segurança do Estado;
- e)- O artigo 33.º da Lei n.º 9/81, de 2 de Novembro - Lei da Justiça Laboral;
- f)- Os n.os 1 e 3 do artigo 14.º da Lei n.º 16/91, de 11 de Maio - Lei dos Direitos de Reunião e Manifestação;
- g)- Os artigos 25.º a 28.º da Lei n.º 23/91, de 15 de Junho - Lei da Greve;
- h)- Os artigos 1275.º a 1278.º do Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44.129, de 28 de Dezembro de 1961, e tornado extensivo a Angola pela Portaria n.º 19.395, de 30 de Junho de 1962;
- i)- Os artigos 73.º, 74.º, 75.º e 76.º da Lei n.º 7/06, de 15 de Maio - Lei de Imprensa;
- j)- Os artigos 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 38.º, 39.º e 40.º da Lei n.º 3/10, de 29 de Março - Lei da Probidade Pública;
- k)- Os artigos 61.º a 65.º da Lei n.º 34/11, de 12 de Dezembro - Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais:
- l)- A Lei n.º 3/14, de 10 de Fevereiro - Lei sobre a Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais.
Artigo 7.º (Contravenções)
- Mantêm-se em vigor as normas de direito substantivo relativas às contravenções.
- As contravenções a que sejam aplicáveis, alternativa ou cumulativamente, penas de prisão e multa passam a ser puníveis apenas com multa.
Artigo 8.º (Dúvidas e Omissões)
As dúvidas e as omissões resultantes da interpretação e da aplicação da presente Lei são resolvidas pela Assembleia Nacional.
Artigo 9.º (Entrada em Vigor)
A presente Lei entra em vigor noventa dias após a data da sua publicação. Vista e aprovada pela Assembleia Nacional, em Luanda, 4 de Novembro de 2020. O Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos. Promulgada aos 6 de Novembro de 2020.
- Publique-se. O Presidente da República, JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO.
CÓDIGO PENAL ANGOLANO
LIVRO I PARTE GERAL
TÍTULO I LEI CRIMINAL
CAPÍTULO ÚNICO PRINCÍPIOS GERAIS
Artigo 1.º (Princípio da Legalidade)
- Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática.
- Só pode ser aplicada medida de segurança a estados de perigosidade cujos pressupostos estejam fixados em lei anterior à sua verificação.
- Não é permitido o recurso à analogia nem à interpretação extensiva para qualificar um facto como crime, para definir um estado de perigosidade ou para determinar a pena ou a medida de segurança que lhes correspondem.
Artigo 2.º (Aplicação no Tempo)
- As penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente ao tempo da prática do facto ou da verificação dos pressupostos de que dependem.
- Sem prejuízo do disposto no n.º 4, sempre que as disposições penais vigentes no momento da prática do facto forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, aplica-se o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente. Se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior.
- Quando o facto deixar de ser crime por força de lei posterior, a sentença condenatória, ainda que transitada em julgado, não se executa ou, se já tiver começado a ser executada, cessa imediatamente a execução e todos os seus efeitos.
- O facto praticado durante a vigência de uma lei que vigore apenas por um período determinado ou para vigorar durante um período de emergência é julgado nos termos dessas leis, salvo se lei posterior dispuser de forma diferente.
Artigo 3.º (Momento da Prática do Facto)
O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, no momento em que devia ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha verificado.
Artigo 4.º (Aplicação da Lei no Espaço)
A Lei Penal Angolana é aplicável a factos total ou parcialmente praticados em território angolano ou a bordo de navios ou aeronaves de matrícula ou sob pavilhão angolanos, independentemente da nacionalidade do agente, salvo convenção ou tratado internacional em contrário.
Artigo 5.º (Aplicação da Lei Penal Angolana a Factos Ocorridos fora do Território Nacional)
- Salvo convenção ou tratado internacional em contrário, a Lei Penal Angolana é aplicável a factos cometidos fora do território angolano, quando:
- a)- Constituírem os crimes previstos nos artigos 256.º a 264.º, 296.º, 297.º, 310.º a 319.º, 329.º a 332.º, 336.º e 469.º;
- b)- Constituírem os crimes previstos nos artigos 377.º a 382.º, 384.º a 389.º, desde que o agente seja encontrado em Angola e não possa ser extraditado;
- c)- Forem cometidos contra pessoas colectivas ou cidadãos angolanos, desde que o agente viva habitualmente em Angola e aqui seja encontrado;
- d)- Forem cometidos por angolanos ou pessoas colectivas angolanas, ou por estrangeiros ou pessoas colectivas estrangeiras contra pessoas colectivas ou cidadãos angolanos, desde que:
- i. Os factos sejam igualmente puníveis pela lei do lugar em que foram cometidos;
- ii. Constituam crime que segundo a lei angolana admita extradição, mas esta não possa ser concedida;
- iii. O agente seja encontrado ou tenha sede, filial ou sucursal em Angola.
- e)- Constituírem crimes que, por convenção ou tratado internacional, o Estado Angolano se tenha obrigado a julgar.
- O disposto no número anterior só tem aplicação quando o agente não tiver sido julgado no país em que cometeu o crime ou se, posteriormente, se tiver subtraído ao cumprimento, total ou parcial, da sanção em que tenha sido condenado.
- Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a Lei Penal Angolana é aplicável a factos praticados no estrangeiro por funcionários das organizações internacionais de direito público de que Angola seja Parte, desde que o agente seja cidadão nacional e a extradição não possa ser concedida.
- A Lei Penal Angolana é ainda aplicável a factos praticados fora do território nacional, nos termos previstos em tratado ou convenção internacional de que Angola seja Parte.
Artigo 6.º (Lugar da Prática do Facto)
O facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente o agente actuou, e sob qualquer forma de comparticipação, ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, como naquele em que o resultado típico se tiver verificado.
Artigo 7.º (Aplicação Subsidiária do Código Penal)
As normas do presente Código aplicam-se aos factos puníveis por legislação especial, salvo disposição em contrário.
TÍTULO II FACTO PUNÍVEL
CAPÍTULO I PRESSUPOSTOS DA PUNIÇÃO
Artigo 8.º (Acção e Omissão)
- Quando um tipo legal compreender um certo resultado, o facto abrange tanto a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo.
- Porém, a verificação de um resultado por omissão só é punível quando, segundo o sentido do texto da Lei, a produção por omissão equivaler à produção por acção e sobre o omitente recair um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado.
- O dever jurídico de actuar referido no número anterior, existe sempre que se verifique uma obrigação legal ou contratual de actuar, ou quando o omitente tiver criado uma situação de perigo para o bem jurídico por força de uma acção ou omissão precedente.
- No caso do crime ter sido cometido por omissão, a pena pode ser especialmente atenuada.
Artigo 9.º (Responsabilidade Penal das Pessoas Colectivas)
- As pessoas colectivas, com excepção do Estado e das organizações internacionais de direito público, são susceptíveis de responsabilidade criminal.
- As pessoas colectivas e equiparadas, ainda que irregularmente constituídas, são responsáveis pelas infracções cometidas em seu nome, por sua conta e no seu interesse, ou em seu benefício, a título individual ou no desempenho de funções, pelos seus órgãos, representantes, ou por pessoas que nela detenham uma posição de liderança.
- As pessoas colectivas referidas no número anterior são ainda responsáveis por crimes cometidos em seu nome, por sua conta e no seu interesse, ou em seu benefício, por pessoas singulares que actuem sob a autoridade das pessoas referidas no número anterior, sempre que o crime se tenha tornado possível em virtude de uma violação dolosa dos deveres de vigilância ou controlo que às últimas incumbem.
- Quando a lei determinar a responsabilização de pessoas colectivas enquanto tais, deve entender-se que se trata de pessoas colectivas ou de meras associações de facto.
- A responsabilidade penal das pessoas colectivas e equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes.
- A responsabilidade penal das pessoas colectivas e equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas da entidade competente para o efeito.
- A transmissão, a cisão e a fusão não determinam a extinção da responsabilidade penal das pessoas colectivas, respondendo pela prática do crime:
- a)- A pessoa colectiva ou equiparada em que a transmissão ou a fusão tiver sido efectivada;
- b)- As pessoas colectivas ou equiparadas que resultaram da cisão.
- Se as multas ou indemnizações forem aplicadas a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por elas o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos respectivos membros, sócios, associados ou integrantes.