Lei n.º 8/17 de 13 de março
- Diploma: Lei n.º 8/17 de 13 de março
- Entidade Legisladora: Assembleia Nacional
- Publicação: Diário da República Iª Série n.º 40 de 13 de Março de 2017 (Pág. 837)
Assunto
Lei da Advocacia, que estabelece o Regime Jurídico Sobre o Exercício da Advocacia em Angola, a definição dos actos próprios dos advogados, bem como o regime da responsabilização pelo exercício ilegal da advocacia. - Revoga a Lei n.º 1/95, de 6 de Janeiro e o n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 16/16, de 30 de Setembro - Lei das Sociedades e Associações de Advogados.
Conteúdo do Diploma
A Constituição da República de Angola reserva um tratamento especial à advocacia, tendo sido considerada, em sede da mesma, como uma instituição essencial à Administração da Justiça; A Lei n.º 1/95, de 6 de Janeiro, que estabeleceu o livre exercício da advocacia, como profissão liberal e o princípio da auto-organização e regulação através da Ordem dos Advogados de Angola (OAA), cumpriu com o seu papel, ao lançar as bases para a criação de uma classe de profissionais liberais, completamente autónoma e organizada. Todavia, vinte anos após a sua aprovação, com o desenvolvimento económico e social e o aumento do número de Advogados, aconselha-se a um reajustamento da disciplina normativa em causa, de modo a que se possa adequar o exercício da advocacia aos desafios da realidade moderna. Além disso, vem-se assistindo, amiúde, ao exercício ilegal da advocacia em Angola, por parte de cidadãos nacionais e estrangeiros, gerando uma concorrência desleal. Pelas razões acima referidas, torna-se imperiosa a aprovação de uma Lei da Advocacia adequada ao contexto actual e que estabeleça os pressupostos necessários ao exercício da profissão de advogado. A Assembleia Nacional aprova, por mandato do povo, nos termos da alínea b) do artigo 161.º e da alínea d) do n.º 2 do artigo 166.º, ambos da Constituição da República de Angola, a seguinte:
LEI DA ADVOCACIA
CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 1.º (Objecto)
A presente Lei tem por objecto o estabelecimento do regime jurídico sobre o exercício da advocacia em Angola, a definição dos actos próprios dos advogados, bem como do regime da responsabilização pelo exercício ilegal da advocacia.
Artigo 2.º (Âmbito da Lei)
- A presente Lei aplica-se a todos os cidadãos que exercem a advocacia, como profissão liberal.
- A presente Lei aplica-se também as diferentes formas de organização em que pode assentar o exercício da advocacia em Angola.
Artigo 3.º (Exercício da Advocacia)
- A advocacia, enquanto instituição essencial à Administração da Justiça, é exercida em regime de profissão liberal e rege-se pela Constituição da República de Angola, pela presente Lei, pelo Estatuto da Ordem dos Advogados de Angola e por demais legislação aplicável.
- A advocacia e os actos próprios inerentes ao exercício da profissão só podem ser praticados por Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados de Angola.
- Os cidadãos angolanos, mestres e doutores em direito, docentes de Instituições Angolanas de Ensino Superior, podem elaborar pareceres escritos remunerados, mesmo que não estejam inscritos na Ordem dos Advogados de Angola.
- Considera-se exercício ilegal da advocacia, quando exercida por pessoas não qualificadas e tituladas nos termos do n.º 1 do artigo 22.º da presente Lei.
Artigo 4.º (Actos Inerentes a Advocacia)
A actividade profissional da advocacia compreende:
- a)- O exercício regular do mandato e do patrocínio judiciário;
- b)- A prestação de assistência jurídica, sob todas as formas permitidas, às entidades públicas e privadas que a solicitarem;
- c)- A representação e a defesa, perante qualquer entidade, pública ou privada, dos interesses dos constituintes.
Artigo 5.º (Independência)
O Advogado, no exercício da profissão, mantém sempre, em qualquer circunstância, a sua independência, devendo agir, livre de qualquer pressão ou coacção, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional, no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.
Artigo 6.º (Liberdade de Exercício)
Os Advogados e Advogados Estagiários com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados de Angola não podem ser impedidos, por qualquer autoridade pública ou privada, de praticar os actos próprios dos advogados, nem o seu acesso às instituições públicas pode ser negado por qualquer funcionário público, dentro dos limites legalmente estabelecidos.
Artigo 7.º (Título Profissional)
O título profissional de Advogado está exclusivamente reservado aos Licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados de Angola.
Artigo 8.º (Organização)
- O exercício da advocacia assenta em escritórios de advogados, singulares, em associação ou em sociedades de advogados.
- Lei especial regula a constituição de Escritórios de Advogados em Associação e Sociedades de Advogados.
Artigo 9.º (Organizações Internacionais)
Os Advogados podem integrar organizações internacionais de Advogados:
- a)- Desde que não percam a sua individualidade e independência;
- b)- Não se coloquem em situação de subordinação relativamente a essa organização;
- c)- Sejam acautelados os demais requisitos legais sobre a publicidade da actividade e o próprio exercício da profissão de Advogado na República de Angola.
Artigo 10.º (Correspondência e Cooperação Entre Advogados)
- É permitido o estabelecimento de relações de correspondência e cooperação entre Advogados inscritos na Ordem de Advogados de Angola e Advogados estrangeiros, nos termos da presente Lei e dos Estatutos da Ordem dos Advogados de Angola.
- A existência de relações de correspondência e cooperação entre Advogados inscritos na Ordem dos Advogados de Angola e Advogados estrangeiros, tem como base:
- a)- A colaboração, em termos de clientela comum, que consiste no envio pelo correspondente exterior de clientes que, uma vez em Angola, passam a ser clientes do correspondente angolano, podendo ou não haver negociação entre os correspondentes, sobre honorários;
- b)- A vinda de clientes do correspondente exterior acompanhados deste, que pode realizar reuniões fora ou no escritório do correspondente angolano;
- c)- A troca de informações e intercâmbio profissional de natureza técnico-jurídica, nomeadamente de legislação, doutrina e jurisprudência.
- Na situação referida na alínea b) do n.º 2 do presente artigo, a intervenção do correspondente exterior é sempre secundária, podendo apenas intervir a pedido e para complementar o correspondente angolano.
- O contacto e assistência aos clientes locais têm que passar obrigatoriamente por Advogados autorizados a exercer advocacia em território angolano, não podendo os correspondentes estrangeiros estabelecer em território angolano qualquer tipo de contacto directo com instituições angolanas.
- Os escritórios de Advogados angolanos não podem ter Advogados estrangeiros a trabalhar neles por tempo superior a trinta dias, nos termos definidos no n.º 3 do presente artigo.
- Os Advogados, bem como as Sociedades de Advogados estrangeiros podem publicitar as suas relações de correspondência e cooperação com Advogados angolanos, podendo estes fazer o mesmo relativamente aos estrangeiros.
- Os acordos de correspondência e cooperação devem ser depositados na Secretaria da Ordem dos Advogados de Angola, no prazo de oito dias, contados da data da assinatura dos mesmos.
Artigo 11.º (Incompatibilidade)
- O exercício da advocacia é incompatível com as funções seguintes:
- a)- Presidente da República;
- b)- Vice-Presidente da República;
- c)- Magistrados Judiciais e do Ministério Público;
- d)- Ministros de Estado, Ministros, Secretários de Estado e Vice-Ministros;
- e)- Provedor de Justiça e Provedor-Adjunto;
- f)- Governador e Vice-Governadores Provinciais;
- g)- Governador e Vice-Governadores do Banco Nacional de Angola;
- h)- Funcionários dos Tribunais, da Polícia e dos Serviços equiparados;
- i)- Quaisquer outras entidades que exerçam funções que, por lei, sejam incompatíveis com o exercício da advocacia.
- As incompatibilidades não se aplicam aos que estejam na situação de aposentados, de inactividade, de licença ilimitada ou de reserva.
- Igualmente não estão abrangidos pelas incompatibilidades os funcionários e agentes administrativos providos em cargos com funções exclusivas de mera consulta jurídica e os contratados para o mesmo efeito.
Artigo 12.º (Impedimentos)
- Os Advogados estão impedidos de exercer o patrocínio e a assistência judiciárias:
- a)- Quando o seu cônjuge ou algum ascendente, descendente, irmão ou afim nos mesmos graus, for juiz ou magistrado do Ministério Público, nos processos em que forem chamados a intervir;
- b)- Quando eles próprios tenham intervido nos mesmos processos nas referidas qualidades ou ainda como testemunhas, declarantes ou peritos;
- c)- Quando tenham tido intervenção no processo ou em processos conexos como representantes da parte contrária ou quando lhe tenham prestado parecer jurídico sobre a questão controvertida;
- d)- Em qualquer outro caso previsto na lei.
- Para além dos impedimentos referidos no número anterior, estão igualmente impedidos de exercer o patrocínio e a assistência judiciárias em processos contra o Estado:
- a)- Deputados à Assembleia Nacional;
- b)- Membros das Forças Armadas ou Militarizadas no Activo;
- c)- Membros dos Gabinetes dos Titulares dos Órgãos de Soberania;
- d)- Membros dos Gabinetes dos Ministros de Estado, dos Ministros, dos Secretários de Estado, Vice-Ministros e equiparados;
- e)- Directores Nacionais de Ministérios e de Secretarias de Estado e equiparados.
- Estão ainda impedidos de exercer o patrocínio e a assistência judiciária, os titulares de cargos políticos e de direcção, a nível local, bem como os membros dos gabinetes destes e equiparados, assim como os titulares de cargos autárquicos.
CAPÍTULO II ORDEM DOS ADVOGADOS
Artigo 13.º (Ordem dos Advogados)
A Ordem dos Advogados de Angola é uma instituição de utilidade pública, independente dos órgãos de Estado, dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, regulando-se pelo seu estatuto e demais disposições legais aplicáveis.
Artigo 14.º (Inscrição na Ordem)
- Só podem inscrever-se na Ordem dos Advogados de Angola os nacionais angolanos titulares de um curso superior de direito, que reúnam os demais requisitos estabelecidos nos Estatutos da Ordem.
- Os estrangeiros licenciados em direito pelas universidades angolanas podem inscrever-se na Ordem dos Advogados de Angola, desde que, nos respectivos países, os licenciados angolanos, em igualdade de circunstância, gozem do mesmo direito.
- Os Advogados inscritos nos termos do número anterior não podem ser eleitos para os órgãos sociais da referida Ordem.
Artigo 15.º (Competência Disciplinar)
A competência disciplinar sobre os Advogados, pelos actos praticados no exercício das suas funções, cabe exclusivamente à Ordem dos Advogados de Angola, nos termos previstos no seu Estatuto.
CAPÍTULO III EXERCÍCIO DO PATROCÍNIO E DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIAS
Artigo 16.º (Patrocínio Judiciário)
Sem prejuízo da nomeação de defensores oficiosos pelo Tribunal, só podem exercer o patrocínio judiciário os Advogados inscritos na Ordem dos Advogados de Angola.
Artigo 17.º (Mandato)
O mandato para o exercício do patrocínio é conferido pela parte interessada, nos termos da legislação em vigor.
Artigo 18.º (Remuneração)
- Os serviços prestados pelos Advogados são remunerados pelos respectivos beneficiários, de forma livre, sem prejuízo da tabela de honorários estabelecida pela Ordem dos Advogados de Angola.
- O patrocínio exercido por nomeação oficiosa do tribunal é remunerado nos termos fixados pelo próprio tribunal e pela lei respectiva.
Artigo 19.º (Assistência Judiciária)
Só podem prestar serviços de assistência judiciária, os Advogados inscritos na Ordem dos Advogados de Angola, cuja remuneração é regulamentada em diploma próprio.
CAPÍTULO IV ACTOS PRÓPRIOS DOS ADVOGADOS
Artigo 20.º (Actos Próprios dos Advogados)
- São actos próprios dos Advogados:
- a)- O exercício do mandato forense em qualquer tribunal, incluindo os tribunais arbitrais;
- b)- A consulta jurídica a entidades públicas e privadas;
- c)- A elaboração de contrato e a prática dos actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto das entidades reguladoras públicas, de Conservatórias e Cartórios Notariais, Órgãos da Administração Central, Administração Local e Administração Autónoma;
- d)- As negociações tendentes à cobrança de créditos;
- e)- O exercício do mandato no âmbito de actos administrativos ou tributários;
- f)- Acompanhamento de clientes a reuniões e entrevistas com quaisquer autoridades.
- Consideram-se actos próprios dos Advogados os que, nos termos das alíneas anteriores, forem exercidos no interesse de terceiros e no âmbito de actividade profissional, sem prejuízo das competências próprias atribuídas às demais profissões ou actividades cujo acesso ou exercício é regulado por lei.
Artigo 21.º (Escritório de Procuradoria ou de Consulta Jurídica)
- Com excepção dos escritórios ou gabinetes compostos exclusivamente por Advogados, é proibido o funcionamento de escritório ou gabinete, constituído sob qualquer forma jurídica, que preste a terceiros serviços que compreendam, ainda que isolada ou marginalmente, a prática de actos próprios dos Advogados.
- A violação da proibição estabelecida no número anterior confere à Ordem dos Advogados de Angola o direito de requerer junto das autoridades judiciais competentes o encerramento do escritório ou do correspectivo gabinete, sem prejuízo de procedimento criminal.
Artigo 22.º (Crime de Exercício Ilegal de Profissão)
- A prática de actos de advocacia, incluindo a visita e o aconselhamento de clientes em território angolano, visando a prática profissional de actos próprios dos Advogados, em violação ao disposto na presente Lei, constitui crime de exercício ilegal de profissão titulada e é punido nos termos da Lei Penal.
- Os auxiliares ou colaboradores da prática de actos ilegais de advocacia são punidos nos termos da Lei Penal.
- A Ordem dos Advogados de Angola tem a particular obrigação de recorrer aos instrumentos legais adequados para reprimir o exercício ilegal da profissão de advogados por cidadãos nacionais e estrangeiros, não inscritos na referida Ordem Profissional.
Artigo 23.º (Publicidade de Actos Próprios de Advogados)
- É proibida a promoção, divulgação ou publicidade de actos próprios dos Advogados, quando efectuada por pessoas, singulares ou colectivas, não autorizadas a praticar os mesmos.
- Os representantes legais das pessoas colectivas ou os sócios das sociedades irregularmente constituídas respondem solidariamente pelo pagamento das multas respectivas.
Artigo 24.º (Exercício da Advocacia e Regime de Subordinação)
- Os Advogados de empresas que exerçam a sua actividade profissional em regime de trabalho subordinado, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres legais e deontológicos, estabelecidos para os demais Advogados em regime liberal, e o contrato de trabalho por eles celebrado não pode afectar a sua plena isenção e independência técnica e científica perante a entidade patronal, nem violar o Estatuto da Ordem dos Advogados de Angola.
- O exercício da consulta jurídica em regime de exclusividade para os serviços em que se encontram integrados, por licenciados em direito que exerçam a profissão como juristas em regime de trabalho subordinado, ainda que em tempo parcial, não obriga à inscrição na Ordem dos Advogados de Angola.
CAPÍTULO V PROCEDIMENTO CRIMINAL E RESPONSABILIDADE CIVIL
Artigo 25.º (Procedimento Criminal)
- O procedimento criminal por exercício ilegal da profissão de advogado pode ser requerido por qualquer interessado ou pela Ordem dos Advogados de Angola.
- A Ordem dos Advogados de Angola como interessada pode, nos termos da Lei do Processo Penal, requerer a sua constituição como assistente no processo-crime que vier a ser instaurado contra a entidade que pratique ilegalmente actos próprios dos Advogados.
Artigo 26.º (Responsabilidade Civil)
- A Ordem dos Advogados de Angola tem legitimidade para intentar acções de responsabilidade civil, tendo em vista o ressarcimento de danos decorrentes da lesão dos interesses públicos que lhe cumpre assegurar e defender nos termos dos respectivos estatutos.
- As indemnizações que forem pagas nas acções previstas no número anterior revertem para um fundo destinado à formação dos Advogados e a outros fins de interesse da classe.
CAPÍTULO VI DISPOSIÇÕES FINAIS
Artigo 27.º (Revogação)
- É revogada a Lei n.º 1/95, de 6 de Janeiro.
- É revogado o n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 16/16, de 30 de Setembro - Lei das Sociedades e Associações de Advogados.
Artigo 28.º (Dúvidas e Omissões)
As dúvidas e as omissões resultantes da interpretação e da aplicação da presente Lei são resolvidas pela Assembleia Nacional.
Artigo 29.º (Entrada em Vigor)
A presente Lei entra em vigor à data da sua publicação. -Vista e aprovada pela Assembleia Nacional, em Luanda, aos 31 de Janeiro de 2017. O Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos. Promulgada, aos 27 de Fevereiro de 2017.
- Publique-se. O Presidente da República, José Eduardo dos Santos.
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