Lei n.º 6/17 de 24 de janeiro
- Diploma: Lei n.º 6/17 de 24 de janeiro
- Entidade Legisladora: Assembleia Nacional
- Publicação: Diário da República Iª Série n.º 13 de 24 de Janeiro de 2017 (Pág. 217)
Assunto
Lei de Bases de Florestas e Fauna Selvagem, que estabelece as normas que visam garantir a conservação e o uso racional e sustentável das florestas e da fauna selvagem existentes no território nacional e, ainda, as bases gerais do exercício de actividades com elas relacionadas. - Revoga toda a legislação que contrarie o disposto na presente Lei, nomeadamente os artigos 16.º, 17.º e 18.º da Lei n.º 15/05, de 7 de Dezembro, Lei de Bases do Desenvolvimento Agrário, os Decretos n.os 40040, de 9 de Fevereiro de 1955, 44531, de 21 de Agosto de 1962 (Regulamento Florestal) e o Diploma Legislativo n.º 2873, de 11 de Dezembro de 1957 (Regulamento de Caça).
Conteúdo do Diploma
Ao Estado impende o dever de efectivar as normas e adoptar as medidas necessárias à protecção do ambiente e das espécies da flora e da fauna em todo o território nacional, à manutenção do equilíbrio ecológico, à correcta localização das actividades económicas, bem como a exploração e utilização racional de todos os recursos naturais, no quadro de um desenvolvimento sustentável e do respeito pelos direitos das gerações futuras e da preservação das espécies: Assim, impõe-se a actualização das normas que visam garantir a conservação e uso sustentável das florestas e da fauna selvagem existentes no território nacional e as bases gerais do exercício de actividades com elas relacionadas:
- A Assembleia Nacional aprova, por mandato do Povo, nos termos das disposições combinadas da alínea b) do artigo 161.º, das alíneas l), p), q) e r) do n.º 1 do artigo 165.º e da alínea c) do n.º 2 do artigo 166.º, todos da Constituição da República de Angola, a seguinte:
LEI DE BASES DE FLORESTAS E FAUNA SELVAGEM TÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS CAPÍTULO I OBJECTO, ÂMBITO, FINALIDADES E PRINCÍPIOS
Artigo 1.º (Objecto)
A presente Lei estabelece as normas que visam garantir a conservação e o uso racional e sustentável das florestas e da fauna selvagem existentes no território nacional e, ainda, as bases gerais do exercício de actividades com elas relacionadas.
Artigo 2.º (Âmbito de Aplicação)
- A presente Lei é aplicável às florestas e à fauna selvagem, bem como à sua diversidade biológica e às actividades com elas relacionadas.
- A presente Lei não é aplicável aos recursos biológicos aquáticos, recursos genéticos e às áreas de conservação que são regidos por lei especial.
Artigo 3.º (Finalidades)
A presente Lei tem as seguintes finalidades:
- a)- Estabelecer os princípios e regras gerais de protecção e gestão dos recursos florestais e faunísticos e seus ecossistemas, assegurando que sejam utilizados e explorados de forma sustentável, integrada e responsável;
- b)- Assegurar a contribuição das florestas e da fauna selvagem, bem como das actividades a elas relacionadas, para a segurança alimentar, a satisfação de necessidades básicas, a geração de rendimentos e emprego e a progressiva melhoria da qualidade de vida das gerações actuais e futuras, tendo em consideração os seus usos múltiplos;
- c)- Estabelecer os princípios e critérios gerais de acesso aos recursos florestais e faunísticos e da sua gestão sustentável ordenamento e desenvolvimento, tendo em consideração os aspectos ecológicos, tecnológicos, económicos, sociais, culturais, ambientais e afins;
- d)- Contribuir para a exploração, transformação e utilização dos produtos florestais e faunísticos, para a promoção das empresas angolanas e empresas de direito angolano para a criação de emprego a nível local;
- e)- Promover a investigação científica e tecnológica relativa às florestas e à fauna selvagem, bem como a disseminação dos conhecimentos, incluindo os tradicionais dela resultantes.
Artigo 4.º (Definições)
Para efeitos da presente Lei, entende-se por:
- «Acompanhamento» - a recolha, compilação, análise e prestação de informação sobre os recursos florestais e faunísticos e actividades com elas relacionadas, incluindo sobre a sua transformação e comercialização.
- «Animal perigoso» - aquele cuja natureza ou comportamento é susceptível de pôr permanentemente em risco a vida humana, animal e os bens.
- «Arboretum» - a floresta de plantação para fins exclusivamente científicos, de educação e de lazer.
- «Banco de Germoplasma» - é um conjunto de infra-estruturas científicas destinadas a conservar o património genético das plantas sob a forma, de entre outras, de sementes, DNA, tecidos, de uso imediato ou com potencial de uso futuro onde não ocorre o descarte de acessos e cujo processo de conservação é um complemento da conservação no próprio local, proporcionando um seguro contra a extinção das espécies no seu habitat.
- «Biossegurança» - é o conjunto de estudos, procedimentos e acções voltadas para a prevenção, minimização ou eliminação de riscos inerentes às actividades de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação de serviços, visando a saúde do homem, dos animais, a preservação do meio ambiente, da exploração dos recursos florestais e faunísticos e a qualidade dos resultados.
- «Caça» - a espera, perseguição, captura, apanha, mutilação, abate, destruição ou utilização de espécies de fauna selvagem, em qualquer fase do seu desenvolvimento ou a condução de expedições para aqueles fins.
- «Caça desportiva» - caça associada ao lazer e procura de emoção no acto de perseguição, abate ou captura de animais selvagens que não visa apenas a obtenção de alimentos para subsistência, mas a perpetuação de tradições.
- «Caça furtiva» - é tradicionalmente definida como sendo o acto de perseguição, abate e captura de animais selvagens por pessoa que não é legalmente habilitada.
- «Caça grossa» - a caça de animais selvagens, herbívoros, carnívoros e répteis de grande e médio porte, constantes da lista de animais cuja caça é permitida.
- «Caça miúda» - a caça de animais selvagens, herbívoros, carnívoros, répteis de pequeno porte e aves, constantes da lista de animais cuja caça é permitida.
- «Caça utilitária» - a captura ou abate de animais selvagens para fins de regulação da população de animais em excesso nos terrenos rurais ou para produção e venda de carne, bem como a captura ou abate de animais em defesa de pessoas e bens, nos termos a definir em regulamento próprio.
- «Caçador especialista» - pessoa singular autorizada a exercer a caça como profissão e que se dedica à caça para fins de exploração de recursos faunísticos, incluindo a caça de animais considerados perigosos, a condução de excursões de caça ou o acompanhamento de turistas que estejam autorizados a caçar ou que desejem contemplar, fotografar ou filmar animais selvagens nos seus habitats naturais.
- «Caçador desportivo» - é a pessoa que pratica a caça desportiva, com a finalidade de obter além de alimentos, a emoção de perseguição, o abate e captura de animais selvagens para constituir um acervo de troféus afins.
- «Caçador furtivo» - é a pessoa que, sem habilitação legal realiza actos de perseguição, abate e captura de animais selvagens.
- «Certificação florestal» - mecanismo que tem por objectivo identificar determinada qualidade do produto florestal ou do seu processo de produção.
- «Cessão» - é um instituto do direito civil que designa, em sentido amplo, qualquer acto jurídico de transmissão de um direito ou de uma posição jurídica e, em sentido restrito, a transmissão de direitos ou posição jurídica por acto negocial intervivos e a título singular.
- «Cessão de exploração» - é um instituto jurídico do direito civil ou de direito comercial que designa o contrato comercial pelo qual se cede, onerosa e temporariamente, bens móveis e imóveis, estabelecimento comercial, licenças e alvarás.
- «Cessionário» - é um instituto jurídico do direito civil e designa aquele que adquiriu um direito ou uma posição jurídica por cessão.
- «Comunidades locais» - um grupo social de pessoas residentes numa localidade, com interesses ou direitos relativos aos recursos florestais ou faunísticos aí existentes, que possuem ou relativamente aos quais se exercem direitos nos termos da lei, do costume ou do contrato.
- «Comunidades rurais» - comunidades de famílias vizinhas ou compartes que, nos meios rurais, têm direitos colectivos de posse, gestão e de uso e fruição dos meios de produção comunitários, designadamente dos terrenos rurais comunitários por elas ocupados e aproveitados de forma útil e efectiva, segundo os princípios de auto- administração e autogestão, quer para sua habitação, quer para o exercício da sua actividade, quer ainda para a consecução de outros fins reconhecidos pelo costume e pela legislação em vigor.
- «Concessão florestal» - acto administrativo ou contrato pelo qual o Estado transmite a particulares, mediante remuneração, direitos patrimoniais sobre recursos florestais de que é proprietário.
- «Conhecimentos tradicionais» - os conhecimentos, inovações, práticas e tecnologias acumulados que são essenciais para a conservação e uso sustentável dos recursos florestais e faunísticos naturais ou tenham valor socio-económico e que foram desenvolvidos ao longo do tempo por comunidades ou por pessoas residentes numa dada localidade.
- «Contingentação» - a definição das quantidades máximas permissíveis de abate ou corte de diferentes espécies de recursos florestais ou faunísticos.
- «Corte» - o abate de recursos florestais para fins de exploração comercial.
- «Degradação de terras» - a redução ou perda da produtividades biológica ou económica e da complexidade das terras agrícolas de sequeiro, das terras agrícolas irrigadas, das pastagens naturais, das pastagens semeadas, das florestas e das matas nativas devido aos sistemas de utilização da terra ou a um processo, ou combinação de processos, incluindo os que resultem das actividades humanas e das suas formas de ocupação do território.
- «Desflorestação» - a destruição ou corte indiscriminado de árvores sem a devida reposição.
- «Derruba» - o corte ou arranque localizado e selectivo de vegetação, árvores e arbustos para quaisquer fins, em especial agrícolas, mineiros ou de construção de infra-estruturas.
- «Desertificação» - o processo de degradação de terras, natural ou provocado pela remoção da cobertura vegetal, ou pela utilização predatória que pode transformar essas terras em zonas áridas ou desertos.
- «Desmatamento» - o corte raso e arranque total da vegetação numa dada área.
- «Despojos de caça» - partes do animal selvagem que, depois de abatido, são aproveitadas e utilizadas para qualquer fim que não seja a alimentação, incluindo a ornamentação.
- «Domínio público» - bens propriedade do Estado, que são inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis, sem prejuízo da sua concessão temporária para a realização de fins de interesse público. Inclui os bens do domínio público das autarquias locais.
- «Ecossistema» - qualquer processo complexo dinâmico de comunidades vegetais, animais e de microrganismos e o seu ambiente não vivo, que interage como uma unidade funcional.
- «Ecossistema frágil» - aquele que, pelas suas características naturais e localização geográfica, é susceptível de rápida degradação dos seus atributos e de difícil recomposição.
- «Empresa» - toda a pessoa singular, sociedade, comunidade ou família que exerce actividades económicas, em particular actividades de exploração ou aproveitamento de recursos florestais ou faunísticos.
- «Espécies ameaçadas de extinção» - as espécies, subespécies, variedades ou raças que não estão em extinção mas enfrentam um risco muito elevado de extinção no seu ambiente natural num futuro próximo; inclui as espécies cujos números se tenham reduzido drasticamente a um nível crítico ou cujos habitats tenham sido degradados de forma tal que ponha em perigo a sobrevivência da espécie.
- «Espécies domesticadas ou cultivadas» - espécies cujo processo de evolução tenha sido influenciado pelos seres humanos para satisfazer as suas necessidades.
- «Espécies em extinção» - as espécies, subespécies, variedades ou raças que enfrentam um risco extremamente elevado e eminente de extinção no seu ambiente natural.
- «Espécies endémicas» - espécies que só ocorrem naturalmente no território nacional, excluindo qualquer espécie que seja introduzida no território de Angola por acção humana.
- «Espécies exóticas» - as espécies que não são indígenas em uma área específica.
- «Espécies invasoras» - qualquer espécie que constitui ameaça para ecossistemas, habitats e outras espécies.
- «Espécies migratórias» - as espécies que migram sazonalmente de uma zona ecológica para outra.
- «Espécies vulneráveis» - as espécies, subespécies, variedades ou raças que, de acordo com a melhor prova disponível, são consideradas como em risco elevado de extinção no seu ambiente natural, em especial cujas populações, comparadas com níveis históricos, se tenham reduzido a níveis que ponham em causa a sua sustentabilidade.
- «Exploração» - a colheita ou corte de recursos florestais ou a caça de recursos faunísticos para fins lucrativos, ainda que relativos a actividades de pequena escala.
- «Farmacopeia ou farmacologia africana» - tratado acerca da preparação dos medicamentos provenientes da flora africana incluindo a sua aplicação.
- «Fauna selvagem» - conjunto de animais terrestres selvagens, vertebrados e invertebrados, de qualquer espécie, em qualquer fase do seu desenvolvimento, que vivem naturalmente, bem como as espécies selvagens capturadas para fins de pecuarização, excluindo os recursos aquáticos.
- «Fazenda de pecuarização» - unidade de pecuária de animais da fauna selvagem para fins de produção alimentar, turismo ecológico ou reconstituição de espécies vulneráveis.
- «Fiel depositário» - a pessoa pública ou privada a quem a autoridade florestal e faunística competente confia a responsabilidade da posse de um bem durante o desenrolar de um processo de execução.
- «Fiscalização» - a inspecção, supervisão e vigilância das actividades relativas a recursos florestais e faunísticos, com vista a garantir o cumprimento da legislação aplicável, bem como as correspondentes medidas de gestão.
- «Floresta» - qualquer ecossistema terrestre contendo cobertura de árvores, ou de arbustos ou de outra vegetação espontânea, incluindo os animais selvagens e microrganismos nela existentes.
- «Floresta natural» - local povoado de árvores e arbustos que nascem, crescem e se desenvolvem de forma natural e espontânea, sem a intervenção humana.
- «Floresta plantada» - floresta constituída artificialmente por processos de «povoamento» (florestação) «ou repovoamento» (reflorestação).
- «Habitat» - o local ou o tipo de sítio onde um organismo ou população ocorrem naturalmente.
- «Inventário florestal» - é o conjunto de actos que visam a recolha, medição e registo de dados sobre a qualidade e o volume de recursos florestais, o estado e a sua dinâmica, a sua localização e distribuição fitogeográfica, regeneração e os produtos que devem ser produzidos por unidade de superfície para a obtenção da informação necessária à gestão sustentável de uma dada região ou floresta.
- «Lei de Terras» - a Lei n.º 9/04, de 9 de Novembro, ou lei que a venha a substituir.
- «Mancha florestal» - cobertura de árvores e/ou arbustos num dado terreno rural.
- «Ordenamento florestal» - é o conjunto de medidas integradas de natureza legal, administrativa e técnica que visam determinar a localização, classificação, organização e gestão sustentável das florestas.
- «Período de defeso» - período do ano que coincide com a reprodução das espécies faunísticas, durante o qual as actividades de caça são proibidas ou limitadas em todo o País, ou em certas localidades ou de certas espécies.
- «Período de repouso vegetativo» - período do ano que coincide com a reprodução florestal e crescimento de determinadas espécies florestais, durante o qual são proibidas ou limitadas as actividades de exploração florestal.
- «Plantação florestal» - cobertura vegetal arbórea, contínua, obtida através do plantio de árvores de espécies indígenas ou exóticas.
- «Praga» - qualquer animal ou planta que estando presente em número excessivo, apresenta uma probabilidade não negligenciável de provocar prejuízos e outros impactos negativos em outros organismos ou na saúde e actividade humanas.
- «Produto faunístico» - qualquer parte de um animal selvagem que é capturado, ou de qualquer outro modo removido do seu meio natural, para uso humano, incluindo os produtos manufacturados a partir dele.
- «Produto florestal» - qualquer recurso florestal que é colhido, ou de qualquer outro modo removido do seu estado natural, para uso humano, incluindo os produtos manufacturados ou derivados de um recurso florestal.
- «Produto em estância» - produto florestal obtido legalmente, mas que, uma vez realizada integralmente a licença, não tenha sido possível retirar do local de corte por razões de natureza diversa, dentro do prazo de validade da licença.
- «Protecção» - a manutenção, reabilitação, restauração e melhoramento das florestas e fauna selvagem, e seus recursos genéticos, bem como todas as medidas visando o seu uso sustentável.
- «Recurso faunístico» - qualquer animal selvagem, de valor actual ou potencial para a humanidade, incluindo os recursos genéticos da fauna selvagem.
- «Recurso florestal» - bens tangíveis e intangíveis que aparecem ou crescem na floresta, de valor actual ou potencial para a humanidade, incluindo qualquer organismo vivo ou qualquer produto deste dentro de uma floresta, bem como os serviços dos ecossistemas florestais.
- «Recurso genético» - qualquer material de origem vegetal, animal ou de microorganismos que contenha unidades funcionais de hereditariedade e que tenha valor actual ou potencial para a humanidade.
- «Repovoamento» - o restabelecimento de árvores e/ou outra cobertura vegetal, ou de fauna selvagem, após a remoção da totalidade ou parte da cobertura florestal natural ou de espécies da fauna que integravam um dado ecossistema.
- «Safaris de caminhada» - é, tradicionalmente, definida como sendo uma expedição terrestre à floresta, com fins de realização de realização de caminhada de turismo ou de caça.
- «Taxas de exploração florestal e faunística» - contribuições financeiras a favor do Estado, pagas por pessoas singulares ou colectivas, como contrapartida pela exploração dos recursos florestais e faunísticos.
- «Terrenos comunitários» - terrenos utilizados por uma comunidade rural segundo o costume relativo ao uso da terra, abrangendo, conforme o caso, as áreas complementares para a agricultura itinerante, os corredores de transumância para acesso do gado às fonte de água e as pastagens e os atravessadouros, sujeitos ou não ao regime da servidão, utilizados para aceder à água ou às estradas ou caminhos de acesso aos aglomerados urbanos.
- «Terrenos florestais» - terrenos rurais aptos para o exercício das actividades silvícolas, designadamente para a exploração e utilização racional de florestas naturais ou plantadas, nos termos dos planos de ordenamento rural e da respectiva legislação especial.
- «Troféu» - as partes duráveis dos animais selvagens, nomeadamente a cabeça, crânio, cornos, dentes, coiros, pêlos e cerdas, unhas, garras, cascos e ainda cascos de ovos, ninhos e penas desde que não tenham perdido o aspecto original por qualquer processo de manufactura.
- «Uso sustentável» - a gestão e aproveitamento dos recursos florestais e faunísticos, de tal modo que sejam mantidas as funções ecológicas das florestas e da fauna selvagem a longo prazo e que não seja prejudicado o valor ecológico, económico, social e estético dos seus ecossistemas para as gerações actuais e futuras.
- «Uso de subsistência» - a colheita ou corte de recursos florestais ou a caça de recursos faunísticos para fins de consumo próprio do autor dessas acções e de sua família, sendo os recursos excedentários apenas esporadicamente comercializados.
Artigo 5.º (Princípios Gerais)
- A regulamentação e aplicação da presente Lei obedecem aos seguintes princípios:
- a)- Da protecção do ambiente, da diversidade biológica e das florestas e fauna selvagem;
- b)- Da propriedade estadual da floresta natural e da fauna selvagem;
- c)- Do desenvolvimento sustentável;
- d)- Da realização dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos;
- e)- Da segurança jurídica;
- f)- Da publicidade;
- g)- Da valorização dos recursos naturais;
- h)- Do utilizador pagador e do poluidor pagador;
- i)- Do acesso dos particulares aos recursos florestais e faunísticos;
- j)- Da partilha justa e equitativa dos benefícios que advêm da exploração desses recursos;
- k)- Da inclusão, da não discriminação e da igualdade de oportunidades;
- l)- Do mínimo de existência, incluindo o direito à alimentação e o correlativo acesso a recursos florestais e faunísticos para fins de subsistência;
- m)- Da livre iniciativa económica;
- n)- Da defesa da concorrência;
- o)- Da prevenção e da precaução;
- p)- Da integração do desenvolvimento sustentável e da coordenação institucional, em particular em matéria de ordenamento dos recursos biológicos e do território;
- q)- Da participação de todos os interessados;
- r)- Da responsabilização;
- s)- Da boa-fé e do equilíbrio contratual;
- t)- Da protecção da propriedade intelectual e dos conhecimentos tradicionais associados aos recursos florestais e faunísticos;
- u)- Da cooperação internacional.
- Os princípios estabelecidos no número anterior são de cumprimento obrigatório para todos os intervenientes na gestão e uso de recursos florestais e faunísticos.
- A utilização e gestão sustentável do património florestal e faunístico devem basear-se na melhor informação científica disponível.
Artigo 6.º (Património Florestal e Faunístico)
- As florestas e a fauna selvagem de Angola são património nacional, cuja protecção, preservação e conservação constituem obrigações do Estado, dos cidadãos e das pessoas singulares e colectivas que realizam actividades económicas com elas relacionadas.
- Os recursos florestais e faunísticos, com excepção das espécies domesticadas e cultivadas, designadamente plantações florestais, e dos exemplares resultantes da pecuarização de animais selvagens, bem como de melhoramento de variedades de plantas e de raças de animais realizados por particulares, são propriedade do Estado e integram o domínio público do Estado e das autarquias locais.
Artigo 7.º (Património Florestal)
- Para efeitos da presente Lei, o património florestal nacional compreende os terrenos florestais, as florestas naturais e plantadas nele incorporadas.
- O património florestal nacional, de acordo com o seu potencial, localização geográfica e forma de utilização, deve ser classificado como:
- a)- Florestas de protecção: as florestas constituídas por formações vegetais que realizam funções de protecção e conservação, manutenção e regeneração e que estão sujeitas a regimes de gestão especiais;
- b)- Florestas de produção: as florestas naturais ou plantadas constituídas por formações vegetais de elevado potencial económico florestal, localizadas fora das áreas de conservação e destinadas à exploração;
- c)- Florestas para fins especiais: as florestas constituídas por formações vegetais, nomeadamente defesa nacional, protecção permanente, conservação, investigação científica, protecção de paisagens, lazer e culturais.
- As florestas são classificadas como transfronteiriças, quando se estendam para Países limítrofes e estejam sujeitas a um regime de gestão especial de recursos partilhados, a ser aprovado pelo titular do Poder Executivo, tendo em consideração os instrumentos internacionais aplicáveis.
- As espécies florestais são igualmente classificadas em função da sua raridade e valor ecológico, económico e sócio-cultural por listas a estabelecer em diploma próprio.
- Constituem ainda património florestal as árvores classificadas como de valor histórico ou outro de natureza cultural.
- Compete ao titular do Poder Executivo, definir a classificação das florestas, sob proposta do departamento ministerial que superintende o Sector Florestal e Faunístico, tendo em consideração o inventário florestal e os planos territoriais.
Artigo 8.º (Património Faunístico)
O património faunístico é constituído pela fauna selvagem e classificado em função da sua raridade, valor económico e/ou sócio-cultural, por listas de espécies a serem estabelecidas por diploma próprio.
Artigo 9.º (Instrumentos de Gestão Sustentável das Florestas e da Fauna Selvagem)
- São instrumentos de gestão sustentável das florestas e da fauna selvagem, os seguintes:
- a)- O inventário dos recursos;
- b)- O ordenamento dos recursos e do território;
- c)- As políticas, estratégias e planos nacionais de florestas e fauna selvagem, bem como os programas e projectos, visando a sua implementação;
- d)- Os planos de gestão dos recursos dos titulares de direitos de exploração e os seus relatórios de execução;
- e)- O programa de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca;
- f)- A estratégia nacional de povoamento e repovoamento florestal;
- g)- Os planos de prevenção e combate de queimadas e incêndios florestais;
- h)- A estatística florestal e faunístico;
- i)- Os relatórios sobre o estado das florestas e da fauna selvagem;
- j)- A certificação de gestão sustentável dos produtos florestais e faunísticos;
- k)- Os incentivos para a protecção e a exploração dos recursos;
- l)- Os regimes de concessão e licenciamento;
- m)- A fiscalização.
- O uso e gestão dos recursos florestais e faunísticos, incluindo a concessão e reconhecimento dos direitos sobre esses recursos, devem obedecer ao que vier a ser estabelecido nas medidas de ordenamento previstas na presente Lei e na demais legislação sobre ambiente e recursos naturais, designadamente sobre ordenamento do território.
- Os instrumentos de gestão sustentável das florestas referidos no n.º 1 do presente artigo são objecto de regulamentação.
Artigo 10.º (Acesso e Uso dos Recursos Florestais e Faunísticos)
O acesso e o uso dos recursos florestais e faunísticos, para fins lucrativos e não lucrativos está sujeito à obtenção de autorização, licença ou contrato de concessão, emitidos pelo Departamento Ministerial que superintende o Sector Florestal e Faunístico, por delegação de poderes do Titular do Poder Executivo, nos termos da presente Lei.
CAPÍTULO II DIREITOS E DEVERES
Artigo 11.º (Obrigações do Estado)
Cabe ao Estado assegurar a protecção e a utilização sustentável dos recursos florestais e faunísticos, em especial:
- a)- Assegurar a aplicação da presente Lei;
- b)- Assegurar o uso sustentável e a gestão integrada dos recursos florestais e faunísticos;
- c)- Adoptar as medidas de ordenamento das florestas e da fauna selvagem, visando a sua gestão e uso sustentáveis;
- d)- Assegurar a conciliação entre usos de recursos florestais e faunísticos com os usos de outros recursos naturais;
- e)- Conceder direitos sobre recursos florestais e faunísticos, nos termos da presente Lei, bem como da demais legislação em vigor;
- f)- Assegurar a coordenação institucional que vise a compatibilidade das medidas de gestão de recursos florestais e faunísticos com as medidas de protecção da diversidade biológica, de ordenamento do território e de gestão de recursos hídricos;
- g)- Assegurar a participação dos cidadãos em geral e das comunidades locais em especial, na gestão sustentável dos recursos florestais e faunísticos;
- h)- Assegurar a avaliação de impacto ambiental das actividades económicas nas florestas, fauna selvagem e nos ecossistemas terrestres;
- i)- Assegurar a realização de vistorias às áreas de exploração florestal de coutadas e fazendas de pecuarização;
- j)- Assegurar a protecção de espécies ou ecossistemas em extinção, ameaçados de extinção e vulneráveis ou de qualquer modo necessitando de medidas especiais de protecção;
- k)- Assegurar a recuperação de habitats e ecossistemas degradados;
- l)- Promover a regeneração de espécies em extinção, ameaçadas de extinção ou vulneráveis e dos respectivos habitats;
- m)- Adoptar as medidas necessárias à preservação de solos e de recursos hídricos e à prevenção da degradação de terras;
- n)- Assegurar a inventariação e classificação do património florestal e faunístico;
- o)- Assegurar a monitorização e a avaliação periódica do estado dos recursos florestais e faunísticos, em particular das espécies que necessitam de especial protecção;
- p)- Assegurar o financiamento do sistema de gestão e protecção de florestas e da fauna selvagem;
- q)- Criar e actualizar cadastros, bem como as bases de dados relativas ao estado dos recursos florestais e faunísticos que sejam necessários à sua gestão sustentável;
- r)- Promover a investigação científica sobre as florestas e fauna selvagem;
- s)- Promover a inovação tecnológica com vista à utilização óptima e sustentável dos recursos florestais e faunísticos e ao aumento da sua contribuição para o desenvolvimento económico e social;
- t)- Promover a educação e formação profissional nos diferentes domínios relacionados com as florestas, fauna selvagem e na sua gestão sustentável;
- u)- Assegurar a implementação das medidas de fiscalização previstas na presente Lei;
- v)- Assegurar a cooperação com outros Estados na protecção dos recursos florestais e faunísticos que, em especial, vise a gestão conjunta dos recursos partilhados, assim como a compatibilização das medidas de protecção e ordenamento a nível nacional com aquelas que forem tomadas por outros Estados ou organizações sub-regionais, regionais e internacionais;
- w)- Assegurar a cooperação com outros Estados para a protecção contra pragas e doenças da flora e da fauna selvagem;
- x)- Assegurar a cooperação com outros Estados na prevenção, fiscalização e repressão de actividades ilícitas, em especial o comércio ilegal de produtos florestais, faunísticos e de seus recursos genéticos.
Artigo 12.º (Direitos e Deveres dos Cidadãos)
- Todos os cidadãos têm o direito aos benefícios resultantes do uso sustentável dos recursos florestais e faunísticos, em especial:
- a)- O acesso aos recursos florestais e faunísticos necessários à sua subsistência e das suas famílias, excepto quando expressamente proibido por lei;
- b)- À utilização dos recursos florestais e faunísticos para fins medicinais, energéticos, de construção de habitações e mobiliário, de criação de artesanato e outros fins culturais;
- c)- À participação nas decisões sobre recursos florestais e faunísticos que possam afectar os seus interesses, incluindo culturais;
- d)- À informação sobre a protecção e gestão sustentável dos recursos florestais e faunísticos e as medidas de ordenamento adoptadas;
- e)- À informação sobre o estado dos recursos florestais e faunísticos, em especial das espécies sujeitas a regimes especiais de protecção;
- f)- À educação e formação profissional sobre matérias relacionadas com os recursos florestais e faunísticos, em especial sobre os seus usos e gestão sustentável.
- São obrigações dos cidadãos:
- a)- Abster-se da prática de actos que possam causar impactos negativos nas florestas, na fauna selvagem, assim como nos seus ecossistemas, em especial de acções ou omissões tipificadas na lei como crimes e infracções;
- b)- Sujeitar-se ao pagamento das taxas e emolumentos previstos na presente Lei;
- c)- Preservar os recursos florestais e faunísticos locais.
Artigo 13.º (Direitos e Deveres das Comunidades Rurais)
- Além dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos estabelecidos na Constituição da República de Angola, as comunidades rurais têm, igualmente, os direitos de uso e fruição dos recursos florestais e faunísticos que se encontrem nos terrenos comunitários, assim como o dever de defender e preservar o ambiente, os recursos florestais e faunísticos de acordo com o estabelecido no n.º 1 do artigo 39.º da Constituição da República de Angola.
- As autoridades tradicionais e respectivas comunidades rurais têm o direito de participar na preparação dos instrumentos de ordenamento dos recursos florestais e faunísticos, em especial os relativos ao combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca, bem como nas acções de ordenamento do território relacionadas com estes recursos.
- As comunidades rurais devem abster-se de praticar actos de que resultem em impactos negativos nas florestas, na fauna selvagem e nos seus ecossistemas.
Artigo 14.º (Direitos e Deveres para o Exercício da Actividade Económica nos Domínios Florestal e Faunístico)
- As pessoas singulares ou colectivas que pretendam exercer actividades económicas relativas aos recursos florestais e faunísticos, têm o direito de requerer dos órgãos competentes do Estado as autorizações, licenças e concessões previstas na presente Lei.
- As pessoas referidas no número anterior têm ainda o direito de acesso à informação sobre:
- a)- Os princípios e exigências da protecção e gestão sustentável dos recursos florestais e faunísticos;
- b)- As medidas adoptadas sobre ordenamento florestal ou faunístico, em particular os dados do inventário florestal da área onde pretendem exercer as actividades;
- c)- O estado dos recursos, em especial das espécies sujeitas a regimes especiais de protecção;
- d)- Os perigos para a saúde humana resultantes do uso de certas espécies, assim como os perigos para os ecossistemas e para a biossegurança alimentar derivados de certas acções e substâncias;
- e)- As medidas fito e higio-sanitárias que devem ser tomadas para evitar doenças a pessoas, animais e plantas.
- As micro, pequenas e médias empresas, assim como as comunidades rurais titulares do direito de exploração florestal e faunístico gozam de especial protecção nos termos da presente Lei e demais legislação aplicável.
- As pessoas singulares ou colectivas que exerçam actividades económicas relativas a recursos florestais e faunísticos têm o direito de participar, directamente ou através de associações profissionais ou outras formas de defesa dos seus interesses, da elaboração e aplicação das medidas de ordenamento florestal e faunístico.
- No âmbito do dever previsto no n.º 1 do artigo 39.º da Constituição da República de Angola, todas as pessoas singulares ou colectivas que exerçam actividades relativas aos recursos florestais e faunísticos devem:
- a)- Utilizar os recursos florestais, faunísticos e hídricos de forma sustentável, cumprindo as obrigações estabelecidas na Constituição da República de Angola, na presente Lei e na demais legislação aplicável;
- b)- Cumprir as disposições estabelecidas nas autorizações, licenças e contratos de concessão florestal ou faunísticos previstos na presente Lei;
- c)- Respeitar os direitos de terceiros, em especial das comunidades rurais e de titulares de outros direitos sobre recursos naturais existentes dentro da área de exploração florestal ou faunístico, designadamente quanto a servidões de águas, de passagem e mineiras;
- d)- Respeitar os locais estabelecidos como sendo de importância cultural, ecológica, económica, religiosa ou espiritual, sobre os quais têm direitos as respectivas comunidades rurais;
- e)- Realizar as suas actividades de modo a minimizar os impactos ambientais negativos das actividades realizadas nos ecossistemas florestais;
- f)- Abster-se de colher, cortar, caçar, comercializar ou causar danos de qualquer natureza às espécies em extinção, ameaçadas de extinção e vulneráveis ou aos seus habitats;
- g)- Adoptar as medidas necessárias à preservação dos solos, dos recursos hídricos e à prevenção da degradação das terras;
- h)- Colaborar com os órgãos centrais e locais do Estado na implementação de medidas de regeneração e reprodução de espécies e de reabilitação de ecossistemas degradados;
- i)- Prestar, nos termos da presente Lei e da legislação aplicável, as informações necessárias ao acompanhamento e avaliação do estado dos recursos florestais e faunísticos, à realização de actividades de investigação científica a eles relativas;
- j)- Contribuir, directamente ou através de associações profissionais ou outras de defesa dos seus interesses, com sugestões, propostas e informações para a elaboração e aplicação das medidas de ordenamento florestal e faunístico;
- k)- Participar das acções de formação relacionadas com o exercício das suas actividades e que sejam promovidas pelo departamento ministerial que superintende o Sector Florestal e Faunístico;
- l)- Sujeitar-se à fiscalização do Estado, nos termos previstos na presente Lei;
- m)- Pagar as taxas, emolumentos e outras contribuições especiais devidos à exploração florestal e faunístico nos termos da presente Lei.
Artigo 15.º (Cooperação Internacional)
- Cabe ao Estado promover a procura de soluções concertadas a nível bilateral e multilateral, internacional, regional e sub-regional, visando a protecção e uso sustentável dos recursos florestais e faunísticos, em especial dos recursos partilhados e das espécies migratórias.
- Compete ao Estado assegurar que o País beneficie da cooperação internacional, em especial nos domínios relativos à identificação, classificação e protecção das florestas e fauna selvagem, bem como o uso de tecnologias apropriadas à sua protecção e uso sustentável, ao combate à desertificação e à seca, à investigação científica, educação e formação profissional nos domínios afins.