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Acórdão de 07 de abril

Detalhes
  • Diploma: Acórdão de 07 de abril
  • Entidade Legisladora: Tribunal Supremo
  • Publicação: Diário da República Iª Série n.º 62 de 7 de Abril de 2010 (Pág. 489)

Conteúdo

Acórdão no Tribunal Pleno e de Recurso do Tribunal Supremo, em nome do Povo: Por despacho do Venerando Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo, de 2 de Abril de 2003, foi interposto o recurso para Uniformização de Jurisprudência, nos termos do artigo 15.º, alínea a) da Lei n.º 20/88, de 31 de Dezembro, porquanto:

  • No recurso, em matéria cível, registado na competente Câmara deste Tribunal, sob o n.º 583/98, procedente da 1.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal da Província de Luanda, em que é apelado José Soares de Brito, foi dado provimento ao recurso, anulando-se a decisão recorrida e mantendo-se a apelante na posse total do prédio, com custas pelo apelado — Acórdão de 21 de Maio de 1999: posteriormente, com fundamento nos artigos 763.º e 765.º, ambos do Código do Processo Civil, veio apelar perante o Tribunal Pleno do Acórdão então tirado, porque em manifesta oposição com o proferido em 17 de Maio de 1996 — in Processo n.º 256/06. Ao despacho juntou, de entre outros documentos: um requerimento de interposição de recurso ao Tribunal Pleno (folha 5); uma guia de depósito pela interposição de recurso (folha 6); cópia do Acórdão ao Processo n.º 256/96, de 17 de Maio, da Câmara do Cível e Administrativo (folhas 9 a 14); cópia do Acórdão ao Processo n.º 583, de 21 de Maio de 1999, da Câmara do Cível e Administrativo (folhas 15 a 19). Distribuído o processo em 31 de Julho de 2003, foi, pelo relator, fixado ao recurso efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 1 do artigo 765.º do Código do Processo Civil (folha 27). Por acórdão na folha 33, de 14 de Abril 2004, foi admitido o recurso. Nos termos do n.º 3 do artigo 765.º do Código do Processo Civil veio o recorrente, de folhas 38 a 41, demonstrar que existe oposição entre os Acórdãos da Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo, proferidos nos Acórdãos aos Processos n.os 256/96, de 17 de Maio e 583/98, de 21 de Maio, cujas cópias constam dos autos, de folhas 9 a 14 e de folhas 15 a 19, respectivamente, alegando o seguinte: O recorrente é legítimo arrendatário das oficinas sitas na Rua José Anchieta, n.º 12, Bairro Maculusso: possui a sua posse titulada, pacífica e pública desde 1975 e paga, regularmente, as rendas e impostos; Através de um processo pouco claro, o Estado transmitiu a propriedade da residência e das oficinas à Manuela Pacheco de Carvalho; É pacífico, quer na doutrina quer na lei, o entendimento de que «se o dono de uma casa arrendada a vende, o comprador que sucede na qualidade de senhorio, torna-se imperativamente titular dos respectivos direitos e obrigações» — vide artigo 58.º da Lei do Inquilinato e artigo 1057.º do Código Civil;
  • Conclui-se, facilmente, que, com a compra da casa por Maria Manuela de Carvalho, o recorrente deixou de ser inquilino da Secretaria de Estado da Habitação e passou a ser inquilino de Maria Manuela Pacheco de Carvalho; Contra todo o inesperado, Maria Manuela Pacheco de Carvalho esbulhou de forma violenta a posse que o recorrente detinha das oficinas, violando o disposto no artigo Publicado na Iª Série do Diário da República n.º 62 de 07 de Abril de 2010 Página 1 de 6 mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276.º e seguintes do Código Civil — artigo 38.º da Lei do Inquilinato e artigo 1037.º, n.º 2, do Código Civil. É neste contexto que o recorrente intentou, contra Maria Manuela Pacheco de Carvalho e marido, a Acção Especial de Restituição de Posse, pois eram os novos proprietários e foram os que praticaram o esbulho violento; Daí que a acção não poderia ser intentada contra a Secretaria de Estado da Habitação. Conclui dizendo que:
  • a)- a acção intentada num e noutro processo é a especial de restituição de posse, artigo 1778.º C.C. por força do artigo 1037.º, n.º 2 do C.C. e do artigo 38.º da Lei do Inquilinato;
  • b)- as partes de um e noutro detinham a posse titulada, pacífica e pública, artigos 1258.º e seguintes;
  • c)- os locatários num e noutro sofreram esbulhos violentos por parte dos novos proprietários, artigos 1278.º e 1279.º C.C.;
  • d)- a acção foi intentada num e noutro contra os novos proprietários esbulhadores, artigo 1037.º, n.º 2 C.C. e artigo 38.º da Lei do Inquilinato; Colhidos os vistos, um dos Juízes Conselheiros veio dizer, na folha 43, verso, o seguinte: «Salvo melhor entendimento, creio que com algum desvio, foi o recurso admitido e notificado ao recorrente para sucintamente alegar, sob pena de deserção. Caberá agora saber se existe oposição de julgados, tarefa que interessa unicamente à Conferência, após o que, sendo o caso, o recurso prosseguirá sua marcha, em vista ao conhecimento do mérito — artigos 766.º, 767.º, n.os 2 e 3 do Código do Processo Civil». Assim, remetidos os autos à Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo, por despacho de 26 de Abril de 2005, foi proferido o acórdão de admissão do recurso, em 19 de Dezembro de 2008 que declarou existir oposição de julgados, nos termos do artigo 763.º do Código de Processo Civil (vide folhas 50 a 53). Cumpre, agora, apreciar e decidir. A Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo, ao analisar os recursos, nos Processos n.os 256/96 e 583/98, decidiu o seguinte:
  • a)- no Processo n.º 256/96: «Os AA, filhos de Arminda Nunes da Fonseca, já falecida, viviam com a sua mãe no prédio sito no Bairro Operário, Rua C, n.º 1, nesta Cidade de Luanda, arrendado a Joaquim da Cruz Lima, pai dos RR, também já falecido. Embora os AA não tivessem um contrato escrito daquele imóvel, todavia, tal falta é apenas imputável aos RR que, no entanto, sempre passaram os respectivos recibos reconhecendo-os como inquilinos pois são filhos da anterior inquilina. As rendas foram pagas até Janeiro de 1989, pontualmente, e a partir dessa data, foi recusada pelos senhorios, apesar de oferecidas, passando os AA a proceder ao seu depósito nos termos da Lei do Inquilinato. Esses depósitos foram julgados válidos por sentença de 25 de Outubro de 1991, proferida no Processo n.º 12 212/C. Publicado na Iª Série do Diário da República n.º 62 de 07 de Abril de 2010 Página 2 de 6 Entretanto no dia 25 de Junho de 1996, cerca das 9 horas, na ausência dos AA, o réu Rui da Cruz Lima esbulhou aquela posse por meios violentos e colocou todos os haveres dos AA na rua, utilizando a força pública, ao abrigo das decisões administrativas então vigentes. A posição jurídica da inquilina transmitiu-se para os filhos com os quais vivia na referida moradia, nos termos do artigo 76.º do Decreto n.º 43 525, de 7 de Março de 1961 e daí que eles são os actuais inquilinos, como tais devem ser conhecidos e as obrigações e o direito do senhorio transmitiram-se com a propriedade do prédio aos herdeiros referidos ora RR, nos termos do artigo 58.º do já referido diploma legal e por isso são os senhorios».
  • b)- no Processo n.º 538/99: «A Secretaria de Estado da Habitação, Delegação da Província de Luanda, arrendou a mesma moradia aos apelantes e ao apelado, tendo os primeiros, a residência propriamente dita, e o segundo, o quintal. Aqueles residiam no locado e este fazia do quintal oficina de reparação de automóveis. A coberto da Lei da Venda do Património Habitacional do Estado, os apelantes adquiriram do Estado, por compra, o prédio, constituído por residência e pelo quintal. O litígio entre apelantes e apelado já se arrastava desde antes da celebração da escritura de venda que o Estado fez à apelante. É mais um dos casos caricatos em que a Secretaria de Estado da Habitação não respeita os direitos do arrendatário, anulando o Título de Ocupação de Moradia (provisório), retirando ao inquilino a posse do locado. Este assunto já não vem à discussão porque se esgotou, e não vem a propósito já nos autos. O que vem a propósito é que a Secretaria de Estado da Habitação passou dois títulos de ocupação de moradia (provisório) sobre o mesmo imóvel, um para apelante em que dava a residência de arrendamento, outro, ao apelado em que dava o quintal da mesma residência para explorar a oficina. Depois vendeu a residência à apelante, incluindo o quintal e cancelou sem mais o compromisso que tinha com o apelado por meio de ofício. A análise e solução do litígio fica amputada porque as partes não chamaram a Secretaria de Estado da Habitação à demanda. O problema que se põe... é o da posse sobre o quintal da residência…..: o apelado que possuía o quintal arrendado do Estado, sendo por este avisado e também pela apelante para se retirar dele no prazo de 30 dias, não o fez. A apelante, em face disso, partiu o muro que separava o quintal da residência e tomou posse dele, que entretanto estava arrendado a um terceiro que se retirou. O que o apelado pretende é reaver o quintal de que lhe foi retirada a posse por esbulho. A Secretaria de Estado da Habitação violou o Decreto n.º 43 525 nas suas relações com o apelado, nomeadamente, a secção V, artigos 28.º a 43.º. O apelado não fez valer os seus direitos nos termos do artigo 38.º do mesmo decreto, contra a Secretaria de Estado da Habitação, logo perdeu o direito de os reclamar. Não os podendo reclamar contra a apelante. Não pode o apelado fazer valer os artigos 1037.º, n.º 2, 1057.º e 1085.º, do Código Civil contra a apelante, quando oportunamente não os fez valer contra a Secretaria de Estado da Habitação. Publicado na Iª Série do Diário da República n.º 62 de 07 de Abril de 2010 Página 3 de 6

artigo 1278.º do Código Civil.

O que o apelado pode fazer é pedir as indemnizações derivadas do prejuízo que a situação lhe causou, tanto à Secretaria de Estado da Habitação como à apelante, em processo próprio, o que não se aplica neste caso por não ter sido pedida». Analisando os factos expostos e tendo em conta os argumentos avançados pelas partes, temos que: Na verdade, ambos os acórdãos foram proferidos, no domínio da mesma legislação, pela Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo e dizem respeito à mesma questão de direito (Acções Especiais de Restituição de Posse). Acontece, porém, que, no Processo n.º 256/96, os recorridos haviam herdado, por morte de sua mãe com quem viviam, o direito de arrendatários do prédio em disputa e pagavam regularmente as rendas, sendo havidos como inquilinos legítimos, cuja posse era pública, contínua, pacífica e titulada. Por iniciativa dos recorrentes, estes deixaram de receber as rendas pelo que os recorridos se viram obrigados a proceder ao depósito das mesmas, tal como prescreve a lei para casos do género. Um dos recorrentes, utilizando a força pública e mediante uma decisão administrativa esbulhou a posse dos recorridos e colocou todos os seus haveres na rua. Sendo os recorridos inquilinos legítimos que cumpriam com as suas obrigações, mormente o do pagamento regular das rendas mensais, o recorrente Rui da Cruz Lima ao retirar os recorridos da residência arrendada, colocando os haveres na rua, esbulhou a posse que os recorridos possuíam.

  • No caso do Acórdão n.º 583/99, o recorrente, José Soares de Brito, adquiriu a posição de inquilino do anexo da casa principal, onde explorava uma oficina, mediante contrato celebrado com a Secretaria de Estado da Habitação. Esta mesma Secretaria rescindiu com ele o contrato, considerando que o anexo e o respectivo quintal eram parte integrante da residência principal e conferiu a sua posse aos recorridos Maria Manuela Pacheco de Carvalho e marido, Carlos de Carvalho, que tinham o contrato de arrendamento da residência principal. Avisado o recorrente sobre a nova situação jurídica e de que deveria, por isso mesmo, abandonar o referido anexo da residência, partiram o muro do quintal e ocuparam-no. A posse precária que o recorrente tinha sobre parte do imóvel, o anexo, adquiriu-a por contrato celebrado com a Secretaria de Estado da Habitação que, antes de proceder à celebração do contrato de compra e venda de todo o imóvel, incluindo o anexo, com os recorridos, rescindiu unilateralmente o contrato que mantinha com o recorrente.
  • Sublinhe-se — para se evitar equívocos — que não se tratava de um contrato de arrendamento do quintal, mas sim da casa anexa à residência onde funcionava uma oficina do recorrente, separada da residência principal por um muro que fora propositadamente construído para não perturbar a vida dos inquilinos da residência principal. Aliás, não era vocação da Secretaria de Estado da Habitação o arrendamento exclusivo dos quintais. A rescisão unilateral do contrato não mereceu do ora recorrente qualquer reacção. Nas suas alegações, trata os recorridos como proprietários do imóvel no seu todo, incluindo, por conseguinte, os anexos, reclamando para si tão só a posição de inquilino destes em face da nova relação jurídica constituída com a compra efectuada pelos recorridos. Publicado na Iª Série do Diário da República n.º 62 de 07 de Abril de 2010 Página 4 de 6 decisão contra a Secretaria de Estado da Habitação a partir do momento em que houve a rescisão unilateral do contrato e, não o tendo feito em tempo devido, perdeu o direito de o fazer, reconhecendo, ipso facto, como apropriada e legítima a acção empreendida pelos recorridos. Ora, se tivermos em conta que a posse que o recorrente José Soares de Brito detinha em relação aos anexos da casa principal era pública, pacífica e titulada, até ao momento em que a Secretaria de Estado da Habitação celebrou o contrato de compra e venda da residência com os recorridos Maria Manuela Pacheco e marido, Carlos Carvalho, a sua situação de inquilino não se alterou. O documento da Secretaria de Estado da Habitação, assinado pelo respectivo director provincial, resolvendo unilateralmente o contrato, sem apontar razões, dizendo simplesmente que «fica anulado qualquer título até então existente que outorga o direito de posse sobre o referido quintal a Brito», não está em conformidade com os preceitos legais, mormente o artigo 1093.º do Código Civil. Com a venda do imóvel apenas se registou a alteração do senhorio, permanecendo inalterável o direito de inquilino do recorrente já anteriormente adquirido. É isto que decorre do artigo 58.º da Lei do Inquilinato e do artigo 1057.º do Código Civil. Sendo que a questão de fundo, num e noutro processo, é a mesma, ou seja a restituição de posse, e que são os mesmos os preceitos jurídicos que subjazem às questões de ambos os processos, ao se decidir de maneira diferente, se registou uma oposição de julgados.
  • Recorde-se que a Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo tem entendido que os contratos de arrendamento de anexos celebrados autonomamente do contrato da residência principal, continuarão a gozar de autonomia ainda que a residência principal seja adquirida por outra pessoa, devendo nesse caso proceder-se à sua desanexação. Nestes termos acordam os do Tribunal Pleno e de Recurso em declarar a oposição de julgados dos acórdãos proferidos nos Processos n.os 583/98, de 2 de Maio de 1999 e 256/96, de 17 de Maio, proferidos pela Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo, devendo, em consequência, prevalecer a jurisprudência firmada neste último processo em que se reconhece como inquilino quem tiver celebrado validamente um contrato de arrendamento e o respectivo contrato não tiver sido rescindido com fundamento na Lei do Inquilinato e artigo 1093.º do Código Civil.
  • Publique-se em Diário da República, nos termos do artigo 48.º da Lei n.º 20/88, de 31 de Dezembro. Notificações devidas. Luanda, aos 12 de Novembro de 2009. Assinaturas: Simão Victor, Cristiano André, Tobias Epalanga, Gabriel Lundungo, Silva Neto, Neto de Miranda, Paços Lopes e José Alfredo. Está conforme. Publicado na Iª Série do Diário da República n.º 62 de 07 de Abril de 2010 Página 5 de 6 Publicado na Iª Série do Diário da República n.º 62 de 07 de Abril de 2010 Página 6 de 6
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