Lei n.º 31/22 de 30 de agosto
- Diploma: Lei n.º 31/22 de 30 de agosto
- Entidade Legisladora: Assembleia Nacional
- Publicação: Diário da República Iª Série n.º 164 de 30 de Agosto de 2022 (Pág. 6219)
Assunto
Que aprova o Código do Procedimento Administrativo. - Revoga o Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro.
Conteúdo do Diploma
A legislação que rege a actuação da Administração Pública angolana foi, quase toda, aprovada na década de 1990, altura em que vigorava a Lei Constitucional de 1992, que foi aprovada num contexto de transição política em Angola. A Lei Constitucional de 1992 consagrou, pela primeira vez, um verdadeiro sistema administrativo, consagrando a centralidade dos direitos fundamentais e a obediência ao Direito, enquanto padrão que definia a actuação da Administração Pública. A aprovação da Constituição da República de Angola, em 2010, trouxe consigo a consagração de um conjunto de normas aplicáveis à Administração Pública, conjuntamente com a consagração da dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais que, naturalmente, vincula a Administração Pública. Como resultado da entrada em vigor de uma nova Lei Fundamental, as normas constitucionais sobre a Administração Pública passaram a consagrar uma dimensão mais personalista, que atribui ao particular um tratamento assente e compatível com o princípio do Estado Democrático e de Direito. A Administração Pública, tal como o Direito, precisa de acompanhar a dinâmica da evolução da sociedade e tomar as providências necessárias para que as pretensões cada vez mais complexas colocadas pelos particulares sejam devidamente satisfeitas. Neste sentido, impõe-se adequar as normas que regem a actuação da Administração Pública às exigências constitucionais e legais, sob pena de inconstitucionalidade e ilegalidade supervenientes, de modo a aproximar os serviços públicos às populações e proceder à desconcentração administrativa para garantir a eficiência e a eficácia administrativas. A Assembleia Nacional aprova, por mandato do povo, nos termos das disposições combinadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 165.º e da alínea d) do n.º 2 do artigo 166.º, ambos da Constituição da República de Angola, a seguinte:
LEI QUE APROVA O CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Artigo 1.º (Aprovação)
É aprovado o Código do Procedimento Administrativo, anexo à presente Lei e da qual é parte integrante.
Artigo 2.º (Regime de Transição)
O Código é aplicável a todos os procedimentos e processos iniciados e não concluídos à data da sua entrada em vigor.
Artigo 3.º (Revogação)
- É revogado o Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro.
- As remissões feitas para os preceitos revogados consideram-se efectuadas para as correspondentes normas da presente Lei.
Artigo 4.º (Dúvidas e Omissões)
As dúvidas e as omissões resultantes da interpretação e da aplicação da presente Lei são resolvidas pela Assembleia Nacional.
Artigo 5.º (Entrada em Vigor)
A presente Lei entra em vigor 180 dias após a sua publicação. Vista e aprovada pela Assembleia Nacional, em Luanda, aos 24 de Março de 2022. O Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos. Promulgada aos 15 de Agosto de 2022.
- Publique-se. O Presidente da República, JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO.
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
PARTE I - Princípios Gerais
CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Artigo 1.º (Objecto)
O presente Código estabelece os princípios e regras a observar no exercício da actividade administrativa, visando a realização do interesse público, no respeito pelos direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos dos particulares e das pessoas colectivas.
Artigo 2.º (Definição)
- Entende-se por Procedimento Administrativo a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação, manifestação e execução da vontade da Administração Pública, bem como o dever de execução administrativa das decisões jurisdicionais, tendo sempre como limite o respeito pelos direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos dos particulares e das pessoas colectivas.
- Entende-se por Processo Administrativo o conjunto de documentos em que se traduzem os actos e formalidades que integram o Procedimento Administrativo.
- A todo o Procedimento Administrativo deve necessariamente corresponder um processo, que é representado por um conjunto de documentos e informações que correspondem à sua componente física, sem prejuízo da tramitação electrónica.
Artigo 3.º (Âmbito de Aplicação)
- As disposições deste Código aplicam-se a todos os Órgãos da Administração Pública que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações entre eles ou com os particulares, bem como aos actos em matéria administrativa praticados pelos órgãos do Estado que, embora não integrados na Administração Pública, desempenhem funções materialmente administrativas.
- São Órgãos da Administração Pública, para efeitos deste Código:
- a)- Os órgãos do Estado que exerçam funções administrativas;
- b)- Os órgãos dos institutos públicos;
- c)- Os órgãos das entidades administrativas independentes;
- d)- Os órgãos das Autarquias Locais;
- e)- Os órgãos das associações públicas;
- f)- Os órgãos das Autoridades Administrativas Tradicionais que, em virtude de costume constitucionalmente reconhecido ou por lei, exerçam poderes públicos ou cumpram deveres públicos;
- g)- Os órgãos de quaisquer entidades privadas que, por acto do Estado, desempenhem actividades administrativas de gestão pública, nomeadamente as entidades concessionárias ou as que exerçam com base na delegação de poderes.
- O regime instituído pelo presente Código é também aplicável aos actos praticados por entidades de direito privado criadas por actos do Estado ou outra pessoa colectiva de direito público, ou com participação de capitais públicos ou, ainda, cuja administração ou fiscalização permanente pertença, por lei, regulamento ou pelos estatutos, a quaisquer órgãos ou entidades públicas.
- Os princípios gerais da actividade administrativa constantes do presente Código e as normas que concretizem preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada.
- No domínio da actividade de gestão pública, as restantes disposições do presente Código aplicam-se supletivamente aos procedimentos especiais, desde que não envolvam diminuição de garantias para os particulares.
- A aplicação do presente Regime às empresas públicas é feita de forma subsidiária, sendo a preferência atribuída à legislação específica e aos diplomas legais que regem a sua organização e funcionamento.
SECÇÃO I CONCEITOS OPERACIONAIS
Artigo 4.º (Pessoas Colectivas Públicas)
- As pessoas colectivas públicas são entidades constituídas por actos de poder público para prosseguirem o interesse público e dotadas, por isso, de poderes e deveres públicos.
- O acto que constitui a pessoa colectiva pública deve identificar a sua natureza e o consequente regime jurídico aplicável.
Artigo 5.º (Órgãos das Pessoas Colectivas Públicas)
- Os órgãos têm a missão de exteriorizar a vontade das pessoas colectivas públicas onde estão inseridos, devendo praticar os actos necessários e adequados à concretização das suas atribuições.
- Os actos praticados pelos órgãos são imputáveis às pessoas colectivas onde eles estão inseridos.
- Os actos praticados pelos Órgãos Administrativos contrários às atribuições das respectivas pessoas colectivas públicas não são imputáveis a estas.
Artigo 6.º (Atribuições e Competências)
- As pessoas colectivas públicas são criadas para prosseguir determinados fins que, ao mesmo tempo, definem a sua capacidade de exercício de direitos.
- Os órgãos das pessoas colectivas públicas não podem praticar actos que estejam fora das suas atribuições ou do seu substrato.
- As competências dos órgãos são sempre definidas por normas jurídicas e exercidas com a finalidade de realizar o interesse público.
Artigo 7.º (Hierarquia Administrativa)
- Entre os Órgãos Administrativos inseridos no mesmo serviço é estabelecido um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direcção e ao subordinado o dever de obediência.
- A hierarquia resulta sempre de uma norma jurídica que, de forma expressa, identifica o superior e o subordinado.
- Excepcionalmente, a hierarquia pode ser presumida, quando existirem dois órgãos inseridos no mesmo serviço, um superior e outro subordinado, mesmo que não haja norma expressa que estabeleça a relação entre ambos.
Artigo 8.º (Dever de Obediência)
- Só há dever de obediência nas situações em que a ordem preencher cumulativamente os seguintes requisitos:
- a)- Existência de relação hierárquica;
- b)- Matéria de serviço;
- c)- Forma juridicamente estabelecida, que em regra é a escrita;
- Não existe dever de obediência nas situações em que esta implicar a prática de um crime.
- Se o superior insistir e obrigar o subordinado a praticar o acto em desrespeito ao que vem consagrado no número anterior, este exerce o seu direito de resistência, tentando demover o superior de praticar tal acto.
- Caso o mecanismo descrito no número anterior não surta os seus efeitos, o superior deve por escrito, reforçar a sua orientação e o subordinado deve cumpri-la.
- O acto executado, nos termos do número anterior, exime o seu executor de qualquer tipo de responsabilidade, nos termos da lei.
Artigo 9.º (Impugnação Administrativa e Judicial)
- Os particulares com legitimidade podem requerer a declaração de invalidade de uma decisão administrativa ou de qualquer acto praticado pela Administração Pública.
- A impugnação administrativa é concretizada por via da reclamação ou do recurso perante os Órgãos Administrativos.
- A impugnação judicial é interposta nos tribunais, nos termos do Código do Procedimento Administrativo e legislação aplicável.
Artigo 10.º (Tutela Administrativa)
- As pessoas colectivas públicas integradas na Administração Autónoma estão sujeitas à tutela da legalidade da sua actuação, efectuado pelo Titular do Poder Executivo.
- Os poderes da entidade que exerce a tutela administrativa constam do diploma legal que constitui a pessoa colectiva pública e tem como limite a sua autonomia administrativa, financeira e regulamentar.
Artigo 11.º (Superintendência)
- As pessoas colectivas públicas inseridas na Administração Indirecta do Estado estão sujeitas ao poder de superintendência, exercido pelo Titular do Poder Executivo.
- A superintendência consiste na definição dos objectivos e condução da actuação das pessoas colectivas públicas inseridas na Administração Indirecta do Estado.
- A superintendência respeita a autonomia administrativa, financeira e regulamentar da entidade superintendida e não deve interferir na gestão de assuntos correntes.
- Para efeitos do presente Código, consideram-se assuntos correntes os que integrarem as actividades diárias da entidade superintendida.
CAPÍTULO II PRINCÍPIOS GERAIS
Artigo 12.º (Princípio da Constitucionalidade)
- A validade das normas, actos, contratos e operações praticados ou emanados por órgãos de entidades públicas ou privadas sujeitas a este Código depende, antes de mais, da sua conformidade com a Constituição.
- Os actos da Administração Pública que violem a Constituição da República de Angola são nulos.
Artigo 13.º (Princípio da Juridicidade)
- A validade dos actos da Administração Pública está dependente da sua conformidade com o direito.
- Os Órgãos da Administração Pública não podem praticar actos sem habilitação normativa.
Artigo 14.º (Princípio da Legalidade)
Os Órgãos da Administração Pública devem agir em obediência à lei, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respectivos fins.
Artigo 15.º (Princípio do Estado de Necessidade Administrativa)
- Nas situações de perigo iminente e actual para o interesse público causado por circunstância excepcional não provocada pelo agente, à Administração Pública é conferido o poder para praticar os actos necessários e urgentes para repor a situação e evitar danos maiores.
- Os actos administrativos e operações materiais praticados ou executados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas neste Código, são válidos desde que os seus resultados não tivessem podido ser alcançados de outro modo, tendo os lesados direito a ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos.
Artigo 16.º (Princípio da Prossecução do Interesse Público e do Respeito Pelos Direitos e Interesses Legalmente Protegidos dos Particulares)
- Os Órgãos Administrativos, em todos os seus domínios de actuação, devem prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
- O sacrifício dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, em nome do interesse público, deve ser devidamente fundamentado pela Administração Pública e deve ser sempre a última alternativa dentro do leque de opções que esta tem para prosseguir o interesse público.
- Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve atender aos interesses privados relevantes que estejam directamente ligados ao fim público concreto.
Artigo 17.º (Princípio da Igualdade)
Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo Princípio da Igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhuma pessoa em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, Instrução, situação económica ou condição social.
Artigo 18.º (Princípio da Proporcionalidade)
- As decisões da Administração Pública que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições com base na lei, em termos adequados e através de meios proporcionais aos objectivos a realizar.
- A actuação da Administração deve respeitar os seguintes critérios:
- a)- Ser adequada ao fim que se pretende atingir, dentre as várias alternativas que forem colocadas;
- b)- A medida deve ser a que menos sacrifícios causar aos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares;
- c)- A medida deve ser portadora de benefícios que superam os prejuízos ou perdas de outras alternativas;
- d)- As medidas mais gravosas, para os direitos e interesses dos particulares, só podem ser aplicadas depois de esgotadas as alternativas.
Artigo 19.º (Princípio da Imparcialidade)
- No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma imparcial todos os que com ela entrem em contacto.
- A Administração Pública deve tratar os particulares e seus respectivos assuntos com isenção, objectividade e transparência, sendo proibidas quaisquer formas de discriminação na relação entre ambos.
- A Administração Pública não pode deixar de realizar o interesse público em nome de interesses privados injustificados e infundados.
- Havendo conflito entre o interesse público e o interesse do funcionário público, este deve privilegiar o interesse público, criando todas as condições para a sua prevalência.
- A Administração Pública deve avaliar todos os aspectos relevantes antes de tomar uma decisão.
- A violação deste princípio dá lugar à anulação dos actos que o ofendam e à efectivação da responsabilidade civil, disciplinar ou criminal, nos termos gerais aplicáveis.
Artigo 20.º (Princípio da Boa-Fé)
- No exercício da actividade administrativa, em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé.
- No cumprimento do disposto no número anterior, os Órgãos Administrativos devem ponderar os valores fundamentais do direito que forem relevantes em face das situações consideradas e, em especial:
- a)- O objectivo de interesse público a alcançar com a actuação empreendida;
- b)- A confiança suscitada na contraparte pela actuação administrativa desde o início do procedimento;
- c)- A necessidade de coerência da Administração Pública e a observância do princípio do respeito pela palavra dada.
Artigo 21.º (Princípio da Colaboração da Administração Pública com os Particulares)
- Os Órgãos Administrativos devem actuar em estreita colaboração com os particulares, procurando assegurar a adequada participação destes no desempenho da função administrativa e cumprindo-lhes, designadamente:
- a)- Prestar aos particulares todas as informações e esclarecimentos de que careçam;
- b)- Apoiar e estimular as iniciativas dos particulares, receber as suas sugestões e informações e encaminhá-las para o seu legítimo superior hierárquico;
- c)- Realizar as demais actuações que não estejam nas alíneas anteriores, mas que resultem da aplicação do princípio da colaboração da Administração Pública com os particulares.
- A Administração Pública é responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que a lei ou regulamento não imponha especificamente a obrigação de as prestar.