Lei n.º 13/21 de 10 de maio
- Diploma: Lei n.º 13/21 de 10 de maio
- Entidade Legisladora: Assembleia Nacional
- Publicação: Diário da República Iª Série n.º 84 de 10 de Maio de 2021 (Pág. 2791)
Assunto
Que aprova o regime jurídico da recuperação de empresas e da insolvência. - Revoga os artigos 1122.º a 1274.º e 1279.º a 1325.º do Código de Processo Civil, e todas as normas legais vigentes que contrariem as disposições da presente Lei.
Conteúdo do Diploma
O cenário económico prevalecente no País, reconheceu, no âmbito do Programa sobre Melhoria do Ambiente de Negócios, a necessidade de revisão da legislação vigente sobre falência. Tal legislação, inserida no Código de Processo Civil de 1961, mostra-se, hoje, completamente desajustada do contexto socioeconómico urgindo, por isso, a sua reformulação e adequação às modernas tendências globais nessa matéria. A aprovação de um regime jurídico sobre Recuperação de Empresas e da Insolvência constitui, pois, um passo importante no sentido da adequação do quadro legal angolano ao moderno Direito da Insolvência que, em detrimento do outrora predominante Instituto da Falência, se centra no Instituto da Insolvência e particularmente nas situações de insolvência iminente ou de situação económica difícil, privilegiando os procedimentos de recuperação de empresas economicamente viáveis em lugar dos que, no âmbito do processo de falência, visavam a mera recuperação de créditos dos seus credores. A insolvência funciona como um filtro para as economias, garantindo a sobrevivência das empresas economicamente deficientes e a reafectação dos recursos eficientes, tendo impacto directo na potenciação do investimento estrangeiro e nacional. Por outro lado, tornando o tecido empresarial mais forte e atractivo, potencia a concessão de crédito à economia, melhorando as condições necessárias à salvaguarda dos interesses dos credores, dos trabalhadores, de terceiros interessados e do próprio devedor, em casos de situação económica difícil ou insolvência. Assim, visando conformar o quadro legal à dinâmica do desenvolvimento económico, à urgência do melhoramento do ambiente de negócios no País, bem como ao imperativo de segurança jurídica e celeridade processual, impõe-se o desagregar da matéria e seu tratamento jurídico-legal do Código de Processo Civil, autonomizando-o e estabelecendo uma dinâmica optimizada de tratamento judicial e extrajudicial das questões relativas à recuperação de empresas e insolvência. A Assembleia Nacional aprova, por mandato do Povo, nos termos das disposições combinadas da alínea b) do artigo 161.º e da alínea d) do n.º 2 do artigo 166.º, ambos da Constituição da República de Angola, o seguinte:
LEI QUE APROVA O REGIME JURÍDICO DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E DA INSOLVÊNCIA
Artigo 1.º (Aprovação)
É aprovado o Regime Jurídico da Recuperação de Empresas e da Insolvência, anexo à presente Lei e que dela é parte integrante.
Artigo 2.º (Remissões)
As remissões constantes de outras leis para os preceitos do regime sobre falência constante do Código do Processo Civil consideram-se feitas para as disposições correspondentes da presente Lei, em tudo que for compatível.
Artigo 3.º (Normas de Aplicação Subsidiária)
- Ao processo de recuperação extrajudicial previsto no Regime Jurídico da Recuperação de Empresas e da Insolvência aplicam-se subsidiariamente as normas sobre resolução extrajudicial de conflitos, se as partes assim o entenderem e tal não contrarie o disposto na presente Lei.
- Os processos de homologação de acordo de recuperação extrajudicial, de recuperação judicial e de insolvência regem-se pelas normas do Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições da presente Lei.
- São aplicáveis, no que concerne às matérias de natureza processual e não processual, as disposições legais que não contrariem a presente Lei.
Artigo 4.º (Regime transitório)
- O Regime Jurídico da Recuperação de Empresas e da Insolvência não se aplica aos processos de insolvência ou de concordata propostos em data anterior ao início da sua vigência, os quais são concluídos, nos termos dos artigos 1122.º a 1274 e 1279.º a 1325.º do Código de Processo Civil.
- A existência de processo de insolvência declarada antes do início de vigência do Regime Jurídico da Recuperação de Empresas e da Insolvência não obsta à conversão do processo aos termos deste, sempre que implique maior possibilidade de:
- a)- Viabilizar a superação da situação económica difícil por parte de pessoas singulares e colectivas;
- b)- Assegurar a satisfação dos interesses dos credores e a manutenção do emprego e a preservação da actividade económica e a sua função social;
- c)- Promover, de modo eficiente, a liquidação do património do insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, sempre que a recuperação não se mostre possível.
- A existência de pedido de concordata antes do início de vigência do Regime Jurídico da Recuperação de Empresas e da Insolvência não obsta ao pedido de recuperação, nos termos do mesmo, caso o devedor não tenha cumprido as suas obrigações no âmbito da concordata.
- No caso do número anterior, se deferido o pedido de recuperação com base no presente regime jurídico, o processo de concordata é extinto e os créditos submetidos à concordata são inscritos no seu valor original no processo de recuperação, deduzidas as parcelas pagas pelo concordatário.
- O Regime Jurídico da Recuperação de Empresas e da Insolvência aplica-se às insolvências declaradas na sua vigência em resultado de convolação de concordatas ou de pedidos de falência anteriores, às quais se aplica, até à sua declaração, o Código de Processo Civil, observando-se, na decisão que declarar a insolvência, o disposto no artigo 146.º.
- Enquanto não for instituída, no âmbito da jurisdição comum, a Sala do Comércio, Propriedade Industrial e Intelectual junto dos Tribunais de Comarca, as atribuições e competências decorrentes da presente Lei são exercidas pela Sala do Cível e Administrativo do Tribunal competente.
Artigo 5.º (Norma Revogatória)
Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a presente Lei revoga:
- a)- Os artigos 1122.º a 1274 e 1279.º a 1325.º do Código de Processo Civil;
- b)- Todas as normas legais vigentes que contrariem as disposições da presente Lei.
Artigo 6.º (Dúvidas e Omissões)
As dúvidas e as omissões resultantes da interpretação e da aplicação da presente Lei são resolvidas pela Assembleia Nacional.
Artigo 7.º (Entrada em Vigor)
A presente Lei entra em vigor à data da sua publicação. Vista e aprovada pela Assembleia Nacional, em Luanda, aos 19 de Janeiro de 2021. O Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos. Promulgada aos 12 de Abril de 2021.
- Publique-se. O Presidente da República, JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO.
REGIME JURÍDICO DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E DA INSOLVÊNCIA
CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 1.º (Objecto e Âmbito de Aplicação)
- A presente Lei tem por objecto regular:
- a)- O regime jurídico de recuperação extrajudicial e judicial de pessoas singulares e colectivas em situação economicamente difícil ou de insolvência eminente, desde que a recuperação se mostre viável;
- b)- O regime jurídico do processo de insolvência de pessoas singulares e colectivas.
- A presente Lei aplica-se, nomeadamente:
- a)- Às sociedades comerciais:
- b)- Às sociedades civis sob a forma comercial;
- c)- Às filiais;
- d)- Às associações e fundações;
- e)- Às sociedades civis;
- f)- Às cooperativas;
- g)- À herança jacente;
- h)- Às sociedades comerciais e sociedades civis sob a forma comercial até à data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem:
- i)- A quaisquer outros patrimónios autónomos;
- j)- Às pessoas singulares.
- Qualquer referência ou disposição aplicável, nos termos da presente Lei a um devedor ou insolvente que seja pessoa colectiva, deve entender-se aplicável também, se existirem, aos respectivos sócios de responsabilidade ilimitada.
- Exceptuam-se do disposto no n.º 2:
- a)- As pessoas colectivas públicas, excepto as empresas com domínio público e com participações públicas minoritárias;
- b)- As instituições financeiras bancárias e não bancárias ligadas à moeda e ao crédito, à actividade seguradora, ao mercado de capitais e que prestem serviços que impliquem a detenção de fundos ou de valores mobiliários de terceiros e os organismos de investimento colectivo, na medida em que a sujeição ao processo de insolvência seja incompatível com os regimes especiais previstos para tais entidades.
- A existência de processo de falência declarada anteriormente à vigência da presente Lei não obsta à conversão do processo aos termos da mesma, sempre que tal implique maior possibilidade de se alcançar os objectivos enunciados no artigo seguinte.
Artigo 2.º (Finalidade)
- Os processos de Reocupação e de Insolvência referidos no n.º 1 do artigo anterior têm por finalidade viabilizar a superação da situação económica difícil por parte das entidades acima referidas, de modo a permitir a satisfação dos interesses dos credores, a manutenção do emprego, a preservação da actividade económica e a sua função social.
- Não sendo a recuperação possível, a Lei visa a promoção eficiente, em termos económicos e sociais, da liquidação do património do insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
Artigo 3.º (Definições)
- Para efeitos da presente Lei, entende-se por:
- a)- «Administrador da Recuperação Extrajudicial», o profissional incumbido, por escolha dos acordantes, da fiscalização e da orientação de todos os actos respeitantes ao processo de recuperação extrajudicial;
- b)- «Administrador Judicial», o profissional incumbido, por efeito da presente Lei e do respectivo estatuto, da fiscalização e da orientação de todos os actos respeitantes ao processo de recuperação judicial;
- c)- «Administrador Judicial Provisório», pessoa nomeada pelo juiz com poderes exclusivos para a administração do património do devedor ou para assistir o devedor nessa administração;
- d)- «Administrador de Insolvência», profissional incumbido, por efeito da presente Lei e do respectivo estatuto, da fiscalização e da orientação de todos os actos respeitantes ao processo de insolvência, da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência;
- e)- «Empresa», toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica;
- f)- «Estabelecimento Comercial», instalação de carácter fixo e permanente destinada ao exercício regular da actividade comercial, contínua em dias ou ocasiões determinadas, assim como quaisquer outros recintos que, com a mesma finalidade, recebam aquela classificação em virtude das disposições legais ou regulamentares, sempre que tenham o carácter de imóvel, nos termos do n.º 1 do artigo 204.º do Código Civil;
- g)- «Estabelecimento Principal», o local em que o devedor exerce maior actividade económica, apresentando a maior expressão em termos patrimoniais;
- h)- «Estabelecimento», qualquer local de operações em que o devedor desenvolva uma actividade económica não transitória com meios e bens ou serviços humanos;
- i)- «Garantes da Empresa», quaisquer pessoas singulares ou colectivas que tenham prestado garantias pessoais ou reais, destinadas a assegurar o cumprimento das obrigações da empresa;
- j)- «Insolvência», situação de impossibilidade, em que se encontra o devedor, para cumprir com as suas obrigações vencidas, por falta de meios, sendo que;
- k)- No caso das pessoas colectivas e dos patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis, salvo, quando o activo seja superior ao passivo, avaliados em conformidade com as seguintes regras:
- i. Consideram-se no activo e no passivo os elementos identificáveis, mesmo quando não constantes do balanço, pelo seu justo valor;
- ii. Quando o devedor seja titular de uma empresa, a valorização baseia-se numa perspectiva de continuidade ou de liquidação, consoante o que se afigure mais provável, mas em qualquer caso, com exclusão de trespasse;
- iii. Não se incluem no passivo dívidas que apenas hajam de ser pagas à custa de fundos distribuíveis ou do activo restante, depois de satisfeitos ou acautelados os direitos dos demais credores do devedor.
- l)- «Insolvência Iminente», é a que se equipara à insolvência actual, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência, caracterizada pela convicção objectiva de praticamente se encontrarem esgotadas as possibilidades de cumprir as obrigações vencidas, as obrigações actuais não vencidas no momento em que se vencerem ou as que não são actuais, mas que muito provavelmente serão contraídas e se vencem durante o período de tempo a considerar, estando em causa as obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas circunstâncias do incumprimento, evidenciem a incapacidade económica, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade das suas obrigações;
- m)- «Massa Insolvente», todo o património do devedor à data da Declaração de Insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo;
- n)- «Processo Estrangeiro», um processo judicial ou administrativo colectivo num Estado estrangeiro, incluindo um processo de natureza provisória, nos termos de uma lei relativa à insolvência em que os bens e os assuntos do devedor estejam sujeitos à controlo ou supervisão por um tribunal estrangeiro, para efeitos de recuperação ou insolvência;
- o)- «Processo Estrangeiro Principal», um processo estrangeiro que decorre no Estado em que o devedor tem o centro dos seus principais interesses;
- p)- «Processo Estrangeiro não Principal», um processo estrangeiro que não seja um processo estrangeiro principal, que tenha lugar num Estado em que o devedor tenha um estabelecimento, nos termos da alínea f);
- q)- «Representante Estrangeiro», uma pessoa ou organismo, incluindo um nomeado interinamente, autorizado num processo estrangeiro a administrar a recuperação ou a liquidação dos bens ou assuntos do devedor ou a actuar como representante do processo estrangeiro;
- r)- «Tribunal Estrangeiro», uma autoridade judiciária ou outra competente para controlar ou supervisionar um processo estrangeiro;
- s)- «Responsáveis Legais», as pessoas que ao abrigo da lei, respondam pessoal e ilimitadamente pela generalidade das dívidas do insolvente, ainda que a título subsidiário;
- t)- «Situação Económica Difícil», situação em que se encontra o devedor que enfrenta dificuldades sérias para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.
Artigo 4.º (Competência)
- É competente para, nos termos da presente Lei, homologar o acordo de recuperação extrajudicial, decidir sobre o processo de recuperação judicial e decretar a insolvência, a Sala do Comércio e Propriedade Industrial e Intelectual do Tribunal de Comarca da sede do domicílio do devedor, do seu principal estabelecimento ou da filial de sociedade que tenha sede fora da República de Angola, do local da representação permanente do devedor, ou do autor da herança à data da morte, consoante os casos.
- Nas Comarcas onde não existem Salas do Comércio e da Propriedade Industrial e Intelectual, a competência acima referida é deferida para a Sala do Cível e Administrativo do Tribunal do domicílio do devedor.
- Os processos referidos no n.º 1 ficam sujeitos à distribuição especial, efectuada na sala competente.
- Os processos de Recuperação Judicial e de insolvência e os seus incidentes têm carácter urgente e gozam de prioridade sobre todos os outros processos, em qualquer grau de jurisdição, correndo nas férias judiciais.
- Sem prejuízo do disposto no número anterior, a instrução e decisão do processo de recuperação judicial tem preferência sobre a instrução e decisão do processo de insolvência.
- A instrução e decisão de todos os termos do processo de insolvência, bem como dos seus incidentes e apensos, compete sempre ao Tribunal singular.
Artigo 5.º (Citação do Ministério Público)
O Ministério Público é citado da entrada em juízo do pedido e dos demais actos do processo de recuperação judicial ou da insolvência, nos casos que envolvam interesse público ou cuja tutela seja da sua competência.
Artigo 6.º (Processo de Recuperação)
- O processo de Recuperação pode ser Extrajudicial ou Judicial, consoante os respectivos termos corram ou não no Tribunal.
- O procedimento de Recuperação Extrajudicial visa permitir ao devedor em situação económica difícil o estabelecimento, com os credores, de acordo que permita a sua recuperação, mediante a elaboração de um plano de recuperação.
- No âmbito do procedimento de Recuperação Extrajudicial, as Partes podem obter acordo de recuperação por intermédio de qualquer das formas de Resolução Extrajudicial de Conflitos, devendo orientar-se pelos princípios constantes do capítulo seguinte.
CAPÍTULO II RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
SECÇÃO I PROCEDIMENTO PARA A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Artigo 7.º (Acordo)
- A recuperação do devedor em situação económica difícil corresponde a um compromisso assumido entre este e os credores, e apenas deve ser iniciada quando os seus problemas financeiros possam ser ultrapassados e o mesmo possa, com forte probabilidade, manter-se em actividade após a conclusão do acordo.
- Durante a recuperação as partes devem actuar de boa-fé na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos.
Artigo 8.º (Representação das Partes)
- Para garantir uma abordagem unificada por parte dos credores que melhor sirva os interesses de todas as Partes, os credores envolvidos podem criar comissões e ou designar um ou mais representantes para negociar com o devedor.
- As Partes podem ainda designar consultores que as aconselhem e auxiliem nas negociações, em especial nos casos de maior complexidade.