Lei n.º 8/20 de 16 de abril
- Diploma: Lei n.º 8/20 de 16 de abril
- Entidade Legisladora: Assembleia Nacional
- Publicação: Diário da República Iª Série n.º 50 de 16 de Abril de 2020 (Pág. 2557)
Assunto
Das Áreas de Conservação Ambiental.
Conteúdo do Diploma
A Constituição da República de Angola assegura, no seu artigo 39.º, a protecção do ambiente e consagra o direito e o dever dos cidadãos de viverem num ambiente sadio e não poluído, determinando, a obrigatoriedade do Estado adoptar as medidas pertinentes para a protecção do ambiente e do equilíbrio ecológico, a exploração racional dos recursos naturais num quadro de desenvolvimento sustentável e a punição dos actos que ponham em perigo ou lesem a preservação do ambiente. Considerando que Angola aderiu às convenções internacionais de grande importância na definição dos regimes jurídicos dos recursos biológicos, das quais se destacam a Convenção sobre a Diversidade Biológica, a Convenção sobre o Combate à Desertificação, a Convenção sobre as Espécies Migratórias e a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Ameaçadas de Extinção, das quais decorrem obrigações internacionais do Estado Angolano no domínio da protecção da biodiversidade, tendo para o efeito aprovado diversos diplomas para a concretização das medidas de protecção do ambiente: Havendo necessidade de definir, nos termos da Lei de Bases do Ambiente, o Regime Jurídico das Áreas de Conservação e assegurar que o uso da sua flora e fauna selvagem se paute pelos princípios constitucionais e do direito internacional relevantes, em especial os princípios do desenvolvimento sustentável e da protecção do ambiente, através da exploração sustentável da diversidade biológica nas áreas de conservação ambiental, bem como regular as actividades relativas aos recursos faunísticos e da flora susceptíveis de serem desenvolvidas nas áreas de conservação ambiental, os regimes de concessão de direitos a eles relativos, no quadro da salvaguarda de igualdade de oportunidades e da participação de todos os cidadãos no processo de desenvolvimento económico e social do País; A Assembleia Nacional aprova, por mandato do povo, nos termos da alínea b) do artigo 161.º, da alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º, conjugado com a alínea d) do n.º 2 do artigo 166.º, todos da Constituição da República de Angola, a seguinte:
LEI DAS ÁREAS DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL
CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 1.º (Objecto)
O presente Diploma tem como objecto a definição do Sistema Nacional das Áreas de Conservação Ambiental com vista a estabelecer os critérios e regras para a sua criação, classificação e gestão através de princípios que salvaguardem a sua preservação, conservação e uso sustentável.
Artigo 2.º (Âmbito de Aplicação)
A presente Lei é aplicável às Áreas de Conservação Ambiental do território nacional, bem como às actividades com elas relacionadas.
Artigo 3.º (Definições)
As expressões, termos e conceitos utilizados, na presente Lei, têm o significado constante das definições seguintes:
- a)- «Acompanhamento», recolha, compilação, análise e prestação de informação sobre os recursos florestais, faunísticos e actividades a eles relacionados;
- b)- «Área de Conservação Ambiental», espaço geográfico do território nacional com características naturais relevantes, definido, delimitado e protegido por lei, que tem a função de assegurar a conservação de longo prazo do património natural e cultural, bem como os serviços eco-sistémicos associados;
- c)- «Área Contígua», terrenos que circundam uma Área de Conservação Ambiental nos quais as actividades económicas estão sujeitas a um regime especial com vista a minimizar os seus impactes negativos na área de Conservação Ambiental;
- d)- «Bens do Domínio Público», bens da propriedade do Estado, incluindo os do domínio público das Autarquias Locais, que são inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis, sem prejuízo da sua concessão temporária para a realização de fins de interesse público;
- e)- «Caça», perseguição, captura, apanha, mutilação, abate de espécies da Fauna Selvagem, em qualquer fase do seu desenvolvimento, ou a condução de expedições para aqueles fins;
- f)- «Comunidades Locais», um grupo social coerente de pessoas residentes dentro ou nos arredores das áreas de conservação ambiental;
- g)- «Conservação», protecção, preservação, manutenção, reabilitação, restauração e melhoramento da flora e fauna selvagens, e seus recursos genéticos, bem como todas as medidas visando o seu uso sustentável;
- h)- «Conservação ex situ», conservação de componentes da diversidade biológica fora dos seus habitats naturais;
- i)- «Conservação in situ», conservação dos ecossistemas, habitats naturais da flora e fauna, a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies no seu meio natural;
- j)- «Desmatamento», corte raso de árvores ou destruição total da vegetação numa dada área;
- k)- «Desertificação», processo de degradação de terras, natural ou provocado pela remoção da cobertura vegetal ou pela utilização predatória que pode transformar essas terras em zonas áridas ou desertos;
- l)- «Ecossistema», um conjunto dinâmico de comunidades vegetais, animais e de microrganismos e o seu ambiente não vivo, que interage como uma unidade funcional;
- m)- «Ecossistema Frágil», aquele que, pelas suas características naturais e sua localização geográfica, é susceptível de rápida degradação dos seus atributos e de difícil recomposição;
- n)- «Ecoturismo», segmento da actividade turística que utiliza de forma sustentável o património natural e cultural, incentiva a sua conservação e interpretação, promovendo o bem-estar das comunidades locais;
- o)- «Espécies Ameaçadas de Extinção», espécies da fauna e da flora que enfrentam um risco muito elevado de extinção no seu ambiente natural num futuro próximo, incluindo as espécies cujos números se tenham reduzido, drasticamente, a um nível crítico ou cujos habitats tenham sido degradados de forma tal que ponha em perigo a sua sobrevivência;
- p)- «Espécies Endémicas», espécies da fauna e da flora que só ocorrem naturalmente no território nacional, excluindo qualquer espécie que seja introduzida no território de Angola por acção humana;
- q)- «Espécies Exóticas», espécies que não são nativas numa área específica;
- r)- «Espécies Invasoras», qualquer espécie que, uma vez introduzida numa determinada área, constitui ameaça para os ecossistemas, habitats e outras espécies;
- s)- «Espécies Migratórias», espécies que migram sazonalmente de uma zona ecológica para outra;
- t)- «Fauna», conjunto de animais selvagens e marinhos, vertebrados e invertebrados, mamíferos, anfíbios, aves e répteis, peixes, crustáceos e moluscos de qualquer espécie, em qualquer fase do seu desenvolvimento, que vivem naturalmente numa determinada área;
- u)- «Fiscalização», inspecção, supervisão e vigilância das actividades relativas aos recursos da flora e da fauna, com vista a garantir o cumprimento da legislação aplicável, bem como as correspondentes medidas de gestão;
- v)- «Habitat», local ou sítio onde um organismo ou população ocorre naturalmente;
- w)- «Monumentos Naturais» são Áreas de Conservação Ambiental que contêm um ou vários elementos naturais particulares, de importância excepcional ou única, preservados devido à sua raridade, à sua qualidade estética ou à sua importância cultural intrínseca;
- x)- «Paisagens Protegidas» são áreas terrestres, abrangendo por vezes o litoral e águas adjacentes, onde a interacção entre a acção humana e a natureza modelaram a paisagem com qualidades estéticas, ecológicas ou culturais específicas e excepcionais e que, por vezes, têm grande diversidade biológica.
- y)- «Parques Nacionais» são áreas terrestres, costeiras ou zonas marinhas criadas para proteger a integridade ecológica de um ou vários ecossistemas, onde as espécies da flora e da fauna, os habitats das espécies e todos os atributos da natureza são conservados em bases ambientais e culturais, para benefício das gerações actuais e futuras;
- z)- «Pesca», actividade efectiva de captura, apanha, remoção, recolha ou colheita, por qualquer processo, dos recursos biológicos aquáticos;
- aa) «Recursos da Biodiversidade», conjunto de recursos naturais composto por fauna, flora e as componentes do meio físico e biológico;
- bb) «Recurso Genético», qualquer material de origem vegetal, animal ou de microrganismos que contenha unidades funcionais de hereditariedade e que tenha valor actual ou potencial para a humanidade;
- cc) «Reservas Naturais» são Áreas de Conservação Ambiental em virtude de possuírem espécies, habitats e/ou ecossistemas raros ou endémicos ou características geológicas ou fisiológicas de especial importância;
- dd) «Repovoamento», restabelecimento de cobertura vegetal, ou de fauna selvagem, após a remoção da totalidade ou parte da cobertura da flora natural ou de espécies da fauna que integravam um dado ecossistema;
- ee) «Sítios para Gestão de Habitat ou Espécies» são áreas terrestres, costeiras ou zonas marinhas dedicadas para a conservação de espécies particulares ou habitats;
- ff)«Uso Sustentável», gestão e aproveitamento dos recursos da flora e da fauna de tal modo que não se esgotem ou se degradem, sejam mantidas as funções ecológicas da diversidade biológica e que não seja prejudicado o valor económico, social e estético dos seus ecossistemas para as gerações presentes e futuras;
- gg) «Zonas Húmidas», lugares onde a terra está coberta de água pouco profunda, corrente ou estática, temporal, intermitente ou permanente, abrangendo zonas costeiras, pântanos, albufeiras e braços de rios, quer naturais ou artificiais, incluindo as áreas adjacentes;
- hh) «Zoneamento», definição de sectores ou zonas dentro de uma Área de Conservação Ambiental, de acordo com um plano de gestão, objectivos e medidas específicos nele previsto, de modo a atingir os objectivos da área em causa.
Artigo 4.º (Finalidades)
A presente Lei tem as seguintes finalidades:
- a)- Promover a gestão sustentável da flora e da fauna das Áreas de Conservação Ambiental que assegure o equilíbrio com a protecção dos ecossistemas e da diversidade biológica;
- b)- Assegurar a contribuição das Áreas de Conservação Ambiental, da sua diversidade biológica, bem como das actividades a elas relativas, para o desenvolvimento sustentável;
- c)- Contribuir para a satisfação de necessidades básicas, na geração de rendimentos e empregos e a progressiva melhoria da qualidade de vida das gerações presentes e vindouras, tendo em consideração o uso sustentável dos recursos que constituem o objecto das Áreas de Conservação Ambiental;
- d)- Estabelecer os princípios e regras gerais de conservação da flora e fauna das Áreas de Conservação Ambiental e seus ecossistemas;
- e)- Estabelecer os princípios e critérios gerais de gestão e ordenamento dos recursos da flora e da fauna das Áreas de Conservação Ambiental para o apoio e desenvolvimento dos aspectos biológicos, tecnológicos, económicos, sociais, culturais e ambientais pertinentes;
- f)- Promover a investigação científica nas Áreas de Conservação Ambiental relativa aos recursos da flora, da fauna, da diversidade biológica, dos ecossistemas e a disseminação dos conhecimentos dela resultante.
Artigo 5.º (Princípios Gerais)
- As Áreas de Conservação Ambiental de Angola são património nacional cuja protecção e preservação constituem obrigações do Estado, dos cidadãos e das pessoas singulares e colectivas.
- Os recursos da flora e da fauna das Áreas de Conservação Ambiental são propriedade do Estado.
- Para além do previsto nos números anteriores, devem, ainda, ser observados os seguintes princípios:
- a)- «O Princípio do Desenvolvimento Sustentável», os recursos da diversidade biológica nas Áreas de Conservação Ambiental devem ser avaliados, inventariados e utilizados de forma sustentável, na perspectiva de uma abordagem ecossistémica para garantir a sua regeneração ou reprodução natural e conservação;
- b)- «O Princípio da Consulta Pública» consiste na auscultação do cidadão para a sua integração na tomada de decisão dos processos de criação e requalificação das Áreas de Conservação Ambiental, que pode ser representado por associações, comunidades científicas, instituições do poder local ou tradicional ou por outras formas de representação;
- c)- «O Princípio da Valorização das Áreas de Conservação Ambiental», a gestão, o aproveitamento útil e efectivo das Áreas de Conservação Ambiental, é feita de acordo com os parâmetros fixados na lei, bem como tendo em conta a protecção do ambiente e a utilização economicamente eficiente e sustentável dos recursos da diversidade biológica;
- d)- «O Princípio do Acesso, Partilha Justa e Equitativa dos Benefícios», o envolvimento das comunidades locais nas actividades de exploração das Áreas de Conservação Ambiental é permitido, nos termos da presente Lei, sendo elas as guardiãs destes locais, de formas a obterem benefícios tangíveis;
- e)- «O Princípio da Prevenção e da Precaução», a protecção do ambiente implica que as actuações nas Áreas de Conservação Ambiental sejam avaliadas antecipadamente, de forma a eliminar ou mitigar efeitos adversos;
- f)- «O Princípio da Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico», consiste na promoção e criação do conhecimento sobre a gestão das Áreas de Conservação Ambiental e dos recursos associados. As universidades e as instituições de investigação devem promover, no seu seio, temas de investigação relacionados a estas áreas;
- g)- «O Princípio de Colaboração Institucional», tendo em vista a natureza multidimensional do ambiente e os seus aspectos económicos, sociais, culturais, a gestão sustentável das Áreas de Conservação Ambiental depende da colaboração e coordenação institucional entre os sectores responsáveis, tais como agricultura e florestas, ordenamento do território e habitação, comércio, turismo e outros intervenientes a fim de promover uma gestão representativa que articule os interesses e necessidades de todos;
- h)- «O Princípio do Poluidor Pagador», todo aquele que, lícita ou ilicitamente, de forma directa ou indirecta, voluntária ou involuntariamente, provoque danos nas áreas de conservação ambiental, deve ser obrigado a assumir o custo da reposição da situação anterior. O pagamento dos custos não isenta o responsável do cumprimento de outras normas ou sanções que eventualmente lhe sejam aplicáveis;
- i)- «O Princípio da Publicidade», as Áreas de Conservação Ambiental devem ser publicitadas seja para a sua divulgação junto das populações, seja para atrair turistas ou potenciais investidores.
- Os princípios estabelecidos no número anterior são de carácter obrigatório para todos os intervenientes na gestão da flora, da fauna selvagem e no uso de recursos existentes nas Áreas de Conservação Ambiental.