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Lei n.º 33/20 de 17 de agosto

Detalhes
  • Diploma: Lei n.º 33/20 de 17 de agosto
  • Entidade Legisladora: Assembleia Nacional
  • Publicação: Diário da República Iª Série n.º 125 de 17 de Agosto de 2020 (Pág. 4483)

Assunto

Da Requisição Civil. - Revoga toda a legislação que contrarie o disposto na presente Lei, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 637/74, de 20 de Novembro.

Conteúdo do Diploma

A Constituição da República de Angola consagra no n.º 2 do artigo 37.º, o Instituto da Requisição Civil Temporária, como um mecanismo que o Estado pode utilizar em situações de extrema gravidade originadas quer por factores humanos, como por causas naturais, que coloquem em causa interesse público cujas consequências devem ser superadas ou mitigadas. Atendendo que em Angola ocorrem com frequência eventos imprevisíveis cuja dimensão negativa do seu impacto político, económico e social demanda por uma intervenção célere das entidades públicas competentes, com o elevado risco dos meios disponíveis serem insuficientes para resolver integralmente todos os seus efeitos: Havendo necessidade de se assegurar o regular funcionamento de certas actividades fundamentais, cuja paralisação momentânea ou contínua acarretaria perturbações graves da vida política, social e económica em parte do território, num sector da vida nacional ou numa fracção da população: Tendo em conta que, no Estado Democrático de Direito, a utilização do Instituto da Requisição Civil é excepcional e impõe o preenchimento de determinados pressupostos, bem como a observância de determinadas normas que regulem o processo de organização e execução das medidas necessárias, mediante a justa indeminização dos entes afectados: A Assembleia Nacional aprova, por mandato do povo, nos termos das disposições combinadas do n.º 2 do artigo 37.º, da alínea n) do artigo 165.º e da alínea d) do artigo 166.º, todos da Constituição da República de Angola, a seguinte:

LEI DA REQUISIÇÃO CIVIL

CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1.º (Objecto e Natureza)

  1. A presente Lei estabelece os princípios, as regras e os procedimentos que regulam o mecanismo de recurso e execução da Requisição Civil por parte do Estado.
  2. A Requisição Civil é um mecanismo de carácter excepcional, que permite ao Estado recorrer a um conjunto de medidas determinadas e necessárias para, em circunstâncias particularmente graves, assegurar o regular funcionamento de serviços ou a disponibilidade de bens essenciais ao interesse público ou de sectores vitais da economia nacional.

Artigo 2.º (Âmbito)

  1. A Requisição Civil pode ser exercida em todo o território nacional, incluindo o mar territorial, a zona económica exclusiva, a plataforma continental sob jurisdição de Angola, sem prejuízo da legislação internacional aplicável.
  2. A Requisição Civil visa a utilização temporária de serviços, empresas ou estabelecimentos, a prestação individual ou colectiva de serviços, a cedência de bens imóveis, móveis ou semoventes, a utilização de quaisquer bens ou o exercício de uma actividade de natureza diferente da normal, bem como a prestação prioritária de bens ou serviços.
  3. A Requisição Civil dos navios e aeronaves nacionais pode executar-se fora do território nacional, efectivando-se por notificação da mesma na sede da empresa proprietária ou exploradora.

Artigo 3.º (Princípios da Requisição Civil)

A determinação e execução da Requisição Civil deve obedecer, dentre outros, aos princípios da legalidade, da necessidade, da proporcionalidade e adequação, da imparcialidade e da responsabilidade para assegurar a defesa do interesse público relativo ao fornecimento ininterrupto de bens e serviços.

CAPÍTULO II PROCEDIMENTO DA REQUISIÇÃO CIVIL

Artigo 4.º (Órgão Competente)

  1. A Requisição Civil é determinada pelo Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo.
  2. A determinação da Requisição Civil pode resultar de solicitação proveniente de Titulares de Departamentos Ministeriais, Governos Provinciais ou Autarquias Locais.
  3. Quando a Requisição Civil implique a intervenção das Forças Armadas Angolanas ou da Polícia Nacional, efectiva-se por Ordem do Presidente da República, na qualidade de Comandante-Em-Chefe das Forças Armadas Angolanas.

Artigo 5.º (Conteúdo da Requisição Civil)

O diploma que efectivar a Requisição Civil deve indicar:

  • a)- O seu objecto, o âmbito territorial e a sua duração;
  • b)- A entidade responsável pela sua execução;
  • c)- Os destinatários;
  • d)- O regime de prestação de trabalho dos requisitados;
  • e)- A modalidade de intervenção das Forças Armadas ou da Polícia Nacional, quando ela tenha lugar;
  • f)- O comando militar ou paramilitar a que fica afecto o pessoal, quando sujeito a foro militar.

Artigo 6.º (Comunicação)

  1. O acto de Requisição Civil deve ser publicado no Diário da República e levado ao conhecimento dos interessados através dos meios de comunicação estatais, designadamente a televisão, a rádio e a agência de notícias.
  2. Sempre que as razões de interesse público o justifiquem, o acto de Requisição Civil pode ser levado ao conhecimento dos interessados através dos meios de comunicação estatais, antes da sua publicação no Diário da República.
  3. Quando se trate de uma situação relacionada com o âmbito de actividade de um Departamento Ministerial ou de um Governo Provincial, o acto de Requisição Civil pode ser comunicado através de documento escrito, assinado pela entidade a quem o Presidente da República delegar poderes para o efeito.

Artigo 7.º (Execução da Requisição Civil)

O modo de execução da Requisição Civil é definido pelo Presidente da República.

Artigo 8.º (Requisição Civil de Pessoas)

  1. A Requisição Civil de pessoas pode abranger todos os indivíduos maiores de 18 anos de idade.
  2. A selecção das pessoas requisitadas tem, sempre que possível, em atenção as respectivas profissões, aptidões físicas e intelectuais, idade, sexo e situação familiar.
  3. Em caso de necessidade, o diploma legal de Requisição Civil pode determinar a substituição de indivíduos de nacionalidade estrangeira em serviço nas empresas requisitadas, por cidadãos nacionais, durante o tempo de duração da requisição.

Artigo 9.º (Não Acatamento por Funcionário ou Trabalhador)

  1. Salvo o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo anterior, o funcionário ou trabalhador abrangido pelo acto de Requisição Civil que se recuse a executar as tarefas nele determinadas, comete o crime de desobediência e está sujeito ao correspondente procedimento disciplinar, nos termos da lei.
  2. Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 51.º da Constituição da República de Angola, o funcionário ou trabalhador em greve, que tenha sido requisitado, comete o crime de desobediência, punido nos termos da Lei Penal, quando não se apresente ao serviço ou se recuse a exercer as tarefas de que seja incumbido, logo que lhe seja dado a conhecer o acto de requisição.

Artigo 10.º (Intervenção de Militares ou Paramilitares)

  1. A intervenção das Forças Armadas ou da Polícia Nacional no processo de Requisição Civil tem carácter de progressividade e, consoante as circunstâncias, pode revestir-se das seguintes modalidades:
    • a)- Enquadramento militar da empresa ou serviço de interesse público;
    • b)- Controlo da gestão da empresa ou serviço ainda que utilizando o respectivo pessoal civil;
    • c)- Utilização do pessoal militar para, total ou parcialmente, substituir o pessoal civil.
  2. A partir do momento em que for dada a conhecer a intervenção das Forças Armadas ou da Polícia Nacional no processo de Requisição Civil, o pessoal civil e militar que abandone o serviço, que estando ausente não se apresente nos prazos para o efeito afixados ou, que se recuse ao desempenho das tarefas que lhe sejam destinadas, é punido nos termos da Lei Penal aplicável consoante o caso, sem prejuízo do correspondente procedimento disciplinar.
  3. O pessoal que se encontra em situação militar de reserva pode ser chamado ao serviço efectivo durante o tempo em que se mantiver a requisição, e para efeitos desta, comete o crime de insubordinação, em caso de não acatamento.
  4. Para efeitos de procedimento no foro militar, os indivíduos abrangidos no número anterior ficam, consoante a área em que se desenvolva a actividade, sujeitos ao comando militar ou paramilitar correspondente.
  5. O serviço prestado nos termos da presente Lei não é contado para efeitos de serviço militar efectivo.

Artigo 11.º (Requisição Civil de bens em Geral)

  1. A Requisição Civil pode incidir sobre bens imóveis, móveis e semoventes.
  2. O beneficiário da requisição de bens tem, dentre outros, os seguintes deveres:
    • a)- Entregar ao requisitado a lista dos bens requisitados e recebidos;
    • b)- Utilizar o bem exclusivamente para o fim definido na requisição;
    • c)- Restituir o bem findo o prazo da requisição;
    • d)- Assumir os encargos decorrentes da actividade do requisitado;
    • e)- Pagar a justa indeminização devida ao requisitado.
  3. O titular do bem requisitado tem, dentre outros, os seguintes deveres:
    • a)- Não perturbar o uso e gozo do bem requisitado;
  • b)- Fornecer todas as informações ao requisitante que possam auxiliar a utilização do bem.

Artigo 12.º (Requisição Civil de Navios e Aeronaves)

  1. A Requisição Civil de navios ou aeronaves nacionais é feita em território nacional, podendo ser executada fora do território nacional, efectivando-se por notificação da requisição na sede da empresa proprietária ou exploradora.
  2. No caso da Requisição Civil respeitar a um serviço público, empresa pública ou empresas privadas de capitais mistos, o Titular do Poder Executivo pode determinar-lhe uma actividade de natureza diferente do normal, desde que assim exija o interesse nacional que fundamenta a requisição.
  3. A Requisição Civil de pessoas ou de empresas pode limitar-se à prestação de determinados bens, isto é, à obrigação de executar com prioridade a prestação prevista com os meios de que dispõe e conservando a direcção da respectiva actividade profissional ou económica.

Artigo 13.º (Requisição Civil de Serviços)

Os serviços públicos ou empresas públicas, de capitais mistos ou privadas, que podem ser objecto de Requisição Civil são, dentre outras, aqueles cuja actividade incide sobre:

  • a)- Serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumbe ao Estado;
  • b)- O abastecimento de água, que envolve a captação, armazenagem e distribuição;
  • c)- A produção e distribuição de energia eléctrica;
  • d)- Armazenamento, transporte, distribuição e comercialização de produtos petrolíferos;
  • e)- As explorações mineiras essenciais à economia nacional;
  • f)- Os serviços de televisão, rádio, correios e de comunicações electrónicas;
  • g)- Exploração e serviço de transportes terrestres, marítimos, fluviais ou aéreos;
  • h)- Exploração e serviço dos portos, aeroportos e estações de caminhos-de-ferro ou de camionagem e transporte e segurança de valores monetários;
  • i)- A exploração de indústrias químico-farmacêuticas, nuclear e material radioactivos;
  • j)- A produção, transformação, comercialização e distribuição de produtos alimentares essenciais e da cesta básica;
  • k)- As indústrias essenciais à Defesa Nacional;
  • l)- O funcionamento dos sistemas de pagamentos;
  • m)- A prestação de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos;
  • n)- O funcionamento do sistema de educação e ensino;
  • o)- A saúde pública, incluindo a realização de funerais;
  • p)- A limpeza, saneamento básico e tratamento de resíduos urbanos;
  • q)- O Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros;
  • r)- Funcionamento, manutenção e gestão de centros de dados, centros de controlo, emissão de satélites e centros de operação e gestão de cabos submarinos;
  • s)- A realização de eleições;
  • t)- Construção e reparação de navios;
  • u)- Serviços de meteorologia e geofísica.

Artigo 14.º (Indemnizações)

  1. A Requisição Civil de bens imóveis, móveis e semoventes confere ao requisitado o direito de receber uma justa indemnização, cujos critérios e procedimentos são definidos pelo Presidente da República.
  2. Para além da remuneração resultante do contrato de trabalho ou de emprego público a que se encontrem vinculados, a Requisição Civil de pessoal não confere direito a qualquer indemnização.
  3. O disposto no número anterior não prejudica os direitos e regalias correspondentes ao exercício do cargo ou desempenho da função que não sejam compatíveis com a situação de requisitados.
  4. Quando se trate de trabalhadores em greve beneficiam de um abono de valor igual ao da remuneração que vinham auferindo, não contando para efeitos de antiguidade o tempo de serviço prestado durante a requisição.

Artigo 15.º (Competência Jurisdicional)

Do acto de Requisição Civil cabe recurso contencioso nos termos da lei, sem prejuízo do recurso aos meios de resolução extrajudicial de litígios.

CAPÍTULO III DISPOSIÇÕES FINAIS

Artigo 16.º (Revogação)

É revogada toda a legislação que contrarie o disposto na presente Lei, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 637/74, de 20 de Novembro.

Artigo 17.º (Dúvidas e Omissões)

As dúvidas e as omissões resultantes da interpretação e da aplicação da presente Lei são resolvidas pela Assembleia Nacional.

Artigo 18.º (Entrada em Vigor)

A presente Lei entra em vigor à data da sua publicação. Vista e aprovada pela Assembleia Nacional, em Luanda, aos 17 de Junho de 2020. O Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos. Promulgada aos 31 de Julho de 2020.

  • Publique-se. O Presidente da República, JOÃO MANUEL GONÇALVES LOURENÇO.
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