Lei n.º 12/19 de 14 de maio
- Diploma: Lei n.º 12/19 de 14 de maio
- Entidade Legisladora: Assembleia Nacional
- Publicação: Diário da República Iª Série n.º 64 de 14 de Maio de 2019 (Pág. 3225)
Assunto
Sobre a Liberdade de Religião e de Culto. - Revoga a Lei n.º 2/04, de 21 de Maio, sobre o Exercício da Liberdade de Consciência, Culto e Religião.
Conteúdo do Diploma
O Estado Angolano é laico, reconhece e respeita as diferentes confissões religiosas, as quais são livres de exercer as suas actividades, nos termos e limites da lei. A liberdade de religião e de culto é inviolável, nos termos do artigo 41.º da Constituição da República de Angola, sendo tarefa do Estado a tomada de medidas efectivas para a sua protecção. Havendo necessidade de se adequar a legislação sobre o Exercício da Liberdade de Religião e de Culto à actual realidade social, bem como harmonizar o seu regime jurídico com as convenções e tratados internacionais de que Angola é Parte; A Assembleia Nacional aprova, por mandato do povo, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 161.º e da alínea b) do artigo 164.º, ambos da Constituição da República de Angola, a seguinte:
LEI SOBRE A LIBERDADE DE RELIGIÃO E DE CULTO
CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 1.º (Objecto)
A presente Lei estabelece os princípios e regras relativos ao exercício da liberdade de religião e de culto, bem como o regime jurídico de constituição, modificação e extinção das confissões religiosas.
Artigo 2.º (Âmbito de Aplicação)
- A presente Lei aplica-se a todos os cidadãos, em especial às organizações, comunidades e confissões religiosas, existentes na República de Angola.
- A liberdade de religião e de culto abrange a faculdade de uma pessoa singular ou colectiva adoptar e manifestar uma crença religiosa, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou colectivamente, em público ou em particular.
Artigo 3.º (Definições)
Para efeitos da presente Lei entende-se por:
- a)- «Confissão Religiosa», instituição que se caracteriza por uma comunidade de indivíduos unidos por um corpo de doutrina, sujeitos a um conjunto de normas expressas por conduta e ritos, exercidos sob a forma de crença, culto, práticas e deveres;
- b)- «Culto Religioso», conjunto de atitudes e ritos através dos quais se presta adoração ao que se considera divino ou sagrado com o fim principal de sustentação de uma doutrina religiosa;
- c)- «Doutrina», conjunto de princípios emanados de um livro ou documento sagrado que servem de base a um sistema religioso, sendo passível de divulgação através de pregações, opiniões, ensinamentos, textos de obras, catequeses e outras formas de ensino e educação;
- d)- «Igreja», comunidade cerimonial religiosa bem definida, ligada a um grupo preciso de crentes que não implica a existência de um clero especializado;
- e)- «Lugar de Culto», local considerado sagrado que pode assumir a forma de espaço, acidente geográfico, construção, monumento, para o exercício da liberdade de religião e crença;
- f)- «Ministro de Culto ou de Confissão Religiosa», aquele que, de harmonia com a sua organização, exerce sobre os fiéis jurisdição e orientação da fé;
- g)- «Organização Para-Eclesiástica», entidade da sociedade civil que, não sendo constituída como confissão religiosa, visa a cooperação entre as instituições religiosas, de forma inter-denominacional ou interconfessional, através do ecumenismo;
- h)- «Prática Religiosa», exercício ou realização de actos e ritos inerentes à doutrina de uma determinada religião;
- i)- «Religião», conjunto de princípios, valores morais, crenças e práticas de doutrinas religiosas, baseadas em livros sagrados que unem seguidores numa mesma comunidade chamada Igreja;
- j)- «Fé», sentimento total e inquestionável na crença de realidades que não são tangíveis, mas de que se tem a convicção de que existem;
- k)- «Crença», profunda convicção de que algo ou alguém existe, constituindo uma verdade maior indiscutível;
- l)- «Ordem e Moral Pública», conjunto de valores, individuais ou colectivos, que denotam bons costumes segundo os preceitos estabelecidos por um determinado grupo social.
- m)- «Publicidade Enganosa», defraudação de toda a expectativa legítima de outrem com recurso à forma publicitária que se socorram da inverdade, omissão, exagero ou ambiguidade.
Artigo 4.º (Princípios)
A presente Lei rege-se pelos seguintes princípios:
- a)- Laicidade;
- b)- Igualdade;
- c)- Legalidade;
- d)- Cooperação;
- e)- Tolerância;
- f)- Liberdade.
Artigo 5.º (Princípio da Laicidade)
- As confissões religiosas e outros entes religiosos estão separados do Estado e são livres na organização e exercício das suas actividades, nos termos da Constituição e da lei.
- Nos actos oficiais e protocolares do Estado é respeitado o princípio da laicidade.
Artigo 6.º (Princípio da Igualdade)
Ninguém pode ser prejudicado, privilegiado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da sua religião.
Artigo 7.º (Princípio da Legalidade)
A lei regula o exercício da liberdade de religião e de culto, nos termos e limites da Constituição, não podendo o exercício deste direito ser causa justificativa da prática de crimes.
Artigo 8.º (Princípio da Cooperação)
O Estado coopera com as instituições religiosas reconhecidas, com vista à promoção dos direitos fundamentais, do desenvolvimento integral de cada pessoa, dos valores da paz, da liberdade, da solidariedade e da tolerância.
Artigo 9.º (Princípio da Tolerância)
O Estado garante o respeito, a aceitação e o reconhecimento da diversidade religiosa, tendo em vista o princípio de que toda pessoa tem a livre escolha de suas convicções e aceita que o outro desfrute da mesma liberdade.
Artigo 10.º (Princípio da Liberdade)
O Estado assegura a inviolabilidade da liberdade de consciência, de crença religiosa e de culto, sendo assegurado o livre exercício de culto religioso, de acordo com a Constituição e a lei.
Artigo 11.º (Conteúdo da Liberdade de Religião e de Culto)
A liberdade de religião e de culto compreende o direito de:
- a)- Ter, não ter e deixar de ter religião;
- b)- Adoptar uma religião;
- c)- Escolher, permanecer, mudar ou abandonar a sua crença religiosa;
- d)- Praticar ou deixar de praticar, recusar, cultos ou rituais ligados a cultos da religião professada, em privado ou em público;
- e)- Professar a crença religiosa, exprimir e divulgar livremente, por palavra, por imagem ou por outro meio lícito, o pensamento em matéria religiosa;
- f)- Informar e ser informado, aprender e ensinar a religião;
- g)- Reunir-se, manifestar-se e associar-se com outros fiéis, de acordo com as convicções religiosas assumidas;
- h)- Agir em conformidade com as normas da religião professada, desde que não contrarie a Constituição e a lei;
- i)- Produzir obras científicas, literárias ou artísticas em matéria de religião;
- j)- Apresentar ou divulgar livremente, em público ou em privado as obras constantes da alínea anterior, sem prejuízo da necessária autorização, quando a lei o exigir.
Artigo 12.º (Conteúdo Negativo da Liberdade de Religião)
- Ao abrigo da liberdade de religião e de culto ninguém pode:
- a)- Ser obrigado a professar uma crença religiosa, a praticar ou a assistir a actos de culto, a receber assistência ou propaganda religiosa;
- b)- Ser coagido a fazer parte, a permanecer ou a abandonar a confissão religiosa, sem prejuízo das respectivas normas de filiação ou de exclusão;
- c)- Ser privado do exercício de qualquer direito civil, político ou profissional nem sofrer qualquer discriminação no acesso a funções nas instituições públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, por razões religiosas;
- d)- Ser questionado por qualquer autoridade acerca das suas convicções religiosas ou práticas religiosas, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis;
- e)- Realizar propaganda enganosa, de qualquer tipo ou natureza, visando mobilizar fiéis para o ingresso numa confissão religiosa, a prática do respectivo culto ou a adesão à doutrina que professa;
- f)- Invocar a liberdade religiosa para a prática de acções ou omissões que sejam incompatíveis com a vida, a integridade física ou a dignidade da pessoa humana, a ordem e a saúde pública, a moral, a liberdade de crença, bem como os princípios fundamentais previstos na Constituição e demais legislação ordinária.
- Aquele que obrigar alguém a associar-se a uma confissão religiosa ou a nela permanecer, é punido nos termos da lei.
Artigo 13.º (Liberdade de Consciência no Âmbito da Religião)
A liberdade de consciência, no âmbito da religião, compreende o direito de objectar o cumprimento de regras que contrariem a consciência, cuja observância implique uma ofensa grave à integridade moral, devendo ser exercida nos limites dos direitos e deveres impostos pela Constituição e pela lei.
CAPÍTULO II EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE RELIGIÃO E DE CULTO
SECÇÃO I REGIME GERAL
Artigo 14.º (Símbolos e Objectos Religiosos)
- Os símbolos e objectos religiosos das confissões religiosas legalizadas são integralmente respeitados e protegidos e o Estado adopta medidas de protecção nos casos de vulnerabilidade, profanação ou perigo de destruição.
- Os objectos e símbolos usados nas cerimónias religiosas e as indumentárias distintivas da religião, utilizados em qualquer parte do corpo ou na cabeça são protegidos pela presente Lei, desde que não contrariem a Constituição, a legislação em vigor e os usos e costumes nacionais.
- O Estado e as confissões religiosas devem assegurar que as indumentárias utilizadas, permitam, sempre, a identificação do fiel para efeitos civis e de segurança.
Artigo 15.º (Ensino e Disseminação de Materiais Religiosos)
- A educação religiosa é opcional e não alternativa relativamente a qualquer área ou disciplina curricular, cabendo às confissões e às organizações religiosas legalmente reconhecidas a formação dos professores, a elaboração dos programas e do material didáctico.
- Os programas e o material didáctico referido no número anterior devem estar em harmonia com a legislação angolana sobre o Sistema de Educação e Ensino.
- As confissões religiosas podem distribuir gratuitamente publicações com declarações, avisos ou instruções em matéria religiosa e afixá-las nos locais de culto.
Artigo 16.º (Regime Sobre Actividade Missionária)
O Estado garante e protege a actividade missionária, incluindo o direito de seguir, receber e compartilhar informações e ideias de carácter religioso, independentemente das fronteiras, seja por via oral, escrita, ou por outra forma de comunicação escolhida.
Artigo 17.º (Idioma das Actividades de Culto)
O Estado incentiva as confissões e as comunidades religiosas legalmente reconhecidas em Angola, a utilizar nos seus cultos, a língua portuguesa e as demais línguas de Angola.
Artigo 18.º (Actividades Filantrópicas das Confissões ou Comunidades Religiosas) 1. As confissões e as organizações religiosas legalmente reconhecidas podem exercer actividades com fins não religiosos que lhes sejam complementares nomeadamente:
- a)- Edificar escolas para a educação e ensino:
- b)- Criar instituições sanitárias e de acolhimento:
- c)- Criar centros voltados para a promoção das expressões culturais, e da cultura em geral:
- d)- Criar ou aderir a projectos sociais. 2. Para efeitos do número anterior, as confissões religiosas devem obter nos termos da lei, as licenças e autorizações necessárias das entidades públicas competentes para o exercício legal e regular das actividades a que se propõem realizar.
Artigo 19.º (Estatuto de Utilidade Pública)
As confissões religiosas legalmente reconhecidas podem adquirir o estatuto de pessoas colectivas de utilidade pública, desde que o requeiram e sejam observados os requisitos e procedimentos definidos na lei.
Artigo 20.º (Financiamento das Confissões Religiosas)
- As confissões religiosas legalmente constituídas em Angola financiam-se mediante a contribuição voluntária dos seus fiéis e liberalidades de pessoas colectivas públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, nos termos da lei.
- A nenhuma confissão religiosa é permitida a cobrança de bens, serviços ou valores pecuniários a troco de promessas e bênçãos divinas.
- As confissões religiosas devem adoptar medidas de transparência sobre a gestão e a aplicação dos fundos arrecadados, tais como manter a sua contabilidade organizada.
- As confissões religiosas devem declarar os bens que recebem a título de doação, os quais devem estar registados, nos termos da lei.
- As liberalidades e as contribuições financeiras provenientes de pessoas singulares ou colectivas públicas ou privadas não residentes cambiais, bem como as transferências monetárias para o estrangeiro obedecem às regras estabelecidas pelo Banco Nacional de Angola.
- A violação do disposto nos n.os 2 e 5 do presente artigo fazem incorrer o seu autor em responsabilidade criminal, nos termos do Código Penal e da Lei sobre o Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo.
Artigo 21.º (Exercício de Actividades Comerciais)
- As confissões religiosas estão proibidas de exercer actividades comerciais.
- Em situações excepcionais, as confissões religiosas podem desenvolver projectos geradores de rendimentos para fins sociais não lucrativos e para prestação de serviços complementares no âmbito da assistência humanitária a terceiros em situação de vulnerabilidade, bem como para o sustento das suas actividades.
- Os projectos referidos no número anterior estão sujeitos ao regime jurídico das actividades comerciais e ao regime fiscal em vigor.
Artigo 22.º (Prestações Voluntárias dos Fiéis)
As confissões e as organizações religiosas podem, livremente:
- a)- Receber prestações voluntárias dos fiéis para o exercício do culto e ritos, bem como donativos para a realização dos seus fins com carácter regular ou eventual;
- b)- Realizar colectas públicas, designadamente dentro ou à porta dos locais de culto, assim como nos edifícios ou locais que lhes pertençam com carácter regular ou eventual.
SECÇÃO II EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE CULTO
Artigo 23.º (Regime Geral)
- A liberdade de culto integra a prática de rituais, cerimónias e demais actos directamente relacionados com a crença, incluindo o uso de fórmulas rituais e objectos.
- É lícita e facultativa a prática de culto religioso, nos termos da presente Lei.
- As confissões religiosas devem possuir lugares de culto adequados à prática religiosa.
- Em nenhum caso, o exercício de culto pode atentar contra a ordem e a moral públicas, a paz social, criar constrangimentos à liberdade de circulação ou violar as regras legais referentes à poluição sonora.
Artigo 24.º (Cultos, Eventos Religiosos e Similares)
- Os eventos realizados dentro dos lugares de culto devem salvaguardar os direitos de terceiros, prevenindo a poluição sonora, devendo os órgãos da Administração Pública tomar as medidas legais e administrativas para a sua regulação.
- A realização de cultos ecuménicos, procissões, cortejos, eventos religiosos e demais actos similares fora dos recintos destinados ao exercício de culto está sujeita à autorização prévia das entidades públicas competentes mediante requerimento dos interessados.
- Os eventos realizados dentro dos lugares de culto devem salvaguardar os direitos de terceiros, prevenindo a poluição sonora, devendo os órgãos da Administração Pública tomar as medidas legais e administrativas para a sua regulação.
Artigo 25.º (Protecção e Segurança dos Fiéis)
Os cultos ecuménicos, procissões, cortejos, eventos religiosos e actos similares previstos no n.º 2 do artigo anterior devem ser realizados mediante um plano de asseguramento policial e sempre que necessário, com serviços de protecção civil, bombeiros e de emergências médica.
Artigo 26.º (Regime e Protecção de Bens Imóveis)
- A construção dos lugares de culto deve obedecer às disposições da presente Lei e dos regimes jurídicos sobre as edificações urbanas, sobre o ruído, os espectáculos e divertimentos públicos, bem como as normas de segurança.
- É proibido o estabelecimento de lugares de culto em recintos inadequados do ponto de vista urbanístico e do ordenamento do território, bem como em edifícios destinados a residências.
- O Estado protege os lugares e objectos de culto, desde que não atentem contra a Constituição e a ordem pública, devendo os órgãos da Administração Pública tomar as medidas adequadas para o efeito.
- As confissões religiosas devem assegurar a existência de condições de habitabilidade dos lugares de culto, devendo executar as obras necessárias para corrigir más condições de salubridade, segurança, risco de incêndio e a produção de poluição sonora.
Artigo 27.º (Alteração do Lugar de Culto por Razões de Interesse Público)
- Os Órgãos da Administração Local podem promover a transferência, demolição, requalificação de espaços, requisição ou expropriação por utilidade pública do lugar de culto, sempre que seja comprovada que a construção ameace ruína, atente contra a saúde pública ou coloque em risco a segurança e ordem públicas.
- Para efeitos do disposto no número anterior, os representantes das confissões religiosas são consultados em prévia audiência, nos termos das normas do procedimento e da actividade administrativa.
Artigo 28.º (Regime de Aquisição e Fruição de Imóveis)
A aquisição e fruição de prédios rústicos ou urbanos pelas confissões religiosas destinados ao exercício das suas actividades obedecem ao regime previsto na legislação em vigor.