Lei n.º 7/04 de 15 de outubro
- Diploma: Lei n.º 7/04 de 15 de outubro
- Entidade Legisladora: Assembleia Nacional
- Publicação: Diário da República Iª Série N.º 83 de 15 de Outubro de 2004 (Pág. 1950)
Assunto
De Bases da Protecção Social - Revoga a Lei n.º 18/90, de 27 de Outubro.
Conteúdo do Diploma
O desenvolvimento económico sustentável de comunidade organizada deve combinar-se estreitamente com o desenvolvimento social, estimulante para todos os seus membros. Durante a vigência da Lei n.º 18/90, de 27 de Outubro, colheram-se experiências, amadureceram-se ideias e surgiram novos desafios que recomendam que o actual sistema de segurança social seja aperfeiçoado em todas as suas vertentes. Por outro lado, a realidade concreta do País impõe a urgência do estabelecimento de uma política de protecção social que auxilie a redistribuição dos rendimentos, por forma a contribuir para eliminar a precaridade e reduzir as consequências sociais negativas, provocadas pelos longos anos de guerra, injusta e atroz, ao mesmo tempo que ajuda a gerar novos estímulos ao desenvolvimento. Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 88.º da Lei Constitucional, a Assembleia Nacional aprova a seguinte:
LEI DE BASES DA PROTECÇÃO SOCIAL
CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 1.º (Objectivos da Protecção Social)
Constituem objectivos da protecção social:
- a)- atenuar os efeitos da redução dos rendimentos dos trabalhadores nas situações de falta ou diminuição da capacidade de trabalho, na maternidade, no desemprego e na velhice e garantir a sobrevivência dos seus familiares, em caso de morte;
- b)- compensar o aumento dos encargos inerentes as situações familiares de especial fragilidade ou dependência;
- c)- assegurar meios de subsistência a população residente carenciada, na medida do desenvolvimento económico e social do País e promover, conjuntamente com os indivíduos e as famílias, a sua inserção na comunidade, na plena garantia de uma cidadania responsável.
Artigo 2.º (Dispositivo Permanente de Protecção Social)
O dispositivo permanente da protecção social organiza-se em três níveis ou seja, na protecção social de base, na protecção social obrigatória e na protecção social complementar e compreende as respectivas prestações e as instituições que fazem a sua gestão.
Artigo 3.º (Relações com Sistemas Estrangeiros)
- O Estado promove a celebração ou adesão a acordos internacionais com o objectivo de ser reciprocamente garantida a igualdade de tratamento aos cidadãos angolanos e suas famílias.
- Os acordos internacionais visam garantir os direitos dos cidadãos angolanos que exerçam a sua actividade outros, países ou a estes se desloquem, bem como a conservação dos direitos adquiridos e em formação quando regressam a Angola.
Capítulo II Protecção Social de Base
Artigo 4.º (Fundamentos e Objectivos)
Constituem fundamentos e objectivos da protecção social de base:
- a)- a solidariedade nacional que reflecte características distributivas e é, essencialmente, financiada através do imposto;
- b)- o bem-estar das pessoas, das famílias e da comunidade que se concretiza através da promoção social e do desenvolvimento regional, reduzindo, progressivamente, as desigualdades sociais e as assimetrias regionais;
- c)- a prevenção das situações de carência, disfunção e de marginalização, organizando, com os próprios destinatários, acções de protecção especial a grupos mais vulneráveis;
- d)- a garantia dos níveis mínimos de subsistência e dignidade, através de acções de assistência a pessoas e famílias em situações especialmente graves quer pela sua imprevisibilidade ou dimensão quer pela impossibilidade total de recuperação ou de participação financeira dos destinatários.
Artigo 5.º (Âmbito de Aplicação Pessoal)
A protecção social de base abrange a população residente que se encontre em situação de falta ou diminuição dos meios de subsistência e não possa assumir na totalidade a sua própria protecção, nomeadamente:
- a)- pessoas ou famílias em situação grave de pobreza;
- b)- mulheres em situação desfavorecida;
- c)- crianças e adolescentes com necessidades especiais ou em situação de risco;
- d)- idosos em situação de dependência física ou económica e de isolamento;
- e)- pessoas com deficiência, em situação de risco ou de exclusão social;
- f)- desempregados em risco de marginalização.
Artigo 6.º (Âmbito de Aplicação Material)
- A protecção social de base concretiza-se com actuações tendencialmente personalizadas ou dirigidas a grupos específicos e a comunidade, através de prestações de risco, de apoio social e de solidariedade.
- As prestações de risco são dirigidas, em especial, as situações graves ou urgentes e podem ser pecuniárias ou em espécie, ao nível, entre outros, da protecção primária da saúde, da concessão de pensões ou subsídios sociais e da distribuição de géneros de primeira necessidade.
- As prestações de apoio social são atribuídas através de serviços, equipamentos, programas e projectos integrados de desenvolvimento local ou dirigidos a grupos com necessidades específicas ao nível da habitação, do acolhimento, da alimentação, da educação, da saúde ou de outras prestações e podem desenvolver-se através do estímulo, ao mutualismo e de acções orientadas para integração social com suporte nas necessidades dos próprios grupos.
- As prestações de solidariedade apelam participação de grupos profissionais, de vizinhança ou outros e traduzem-se, na validação de períodos, remissão de contribuições ou assunção momentânea das contribuições dos regimes de protecção social.
Artigo 7.º (Condições de Atribuição das Prestações)
- A atribuição das prestações ou a participação em projecto depende da avaliação das necessidades e ponderação dos recursos dos interessados e respectivos familiares, podendo também obrigar a existência de um período mínimo de residência legal no País.
- As condições de atribuição e o montante máximo das prestações pecuniárias são fixadas por decreto executivo conjunto do titular das finanças públicas e o de tutela, podendo esta ser reduzida em função dos rendimentos dos interessados e dos respectivos agregados familiares.
- As prestações pecuniárias regem-se subsidiariamente pelo disposto na protecção social obrigatória, mas são só devidas em território nacional.
Artigo 8.º (Organização dos Meios)
- Os meios a aplicar na protecção social de base são organizados por grandes objectivo e regiões e utilizados de acordo com os programas anuais e plurianuais fixados pelo organismo de tutela.
- Estes meios destinam-se a promover a auto-suficiência dos cidadãos e seus familiares e dirigem-se nomeadamente, para:
- a)- a comparticipação de serviços médicos e medicamentosos que deve ser total quando se destina a grupo especiais de risco ou respeite a prescrição com impacto social especialmente grave;
- b)- o desenvolvimento de centros de recuperação nutricional dirigidos ao atendimento de pessoas especialmente carenciadas;
- c)- o acompanhamento de crianças órfãs ou desamparadas através da recriação de ambiente familiar por recurso a adopção, a colocação familiar ou em núcleos comunitários ou mesmo em instituições sociais apropriadas;
- d)- o apoio as famílias com o objectivo de combater o trabalho infantil e promover a frequência escolar, nomeadamente facilitando a deslocação a escola e participando nos custos de escolaridade;
- e)- a criação de condições de dignidade dos idosos carenciados, através de mecanismos que proporcionem condições materiais mínimas e reconhecimento social e efectivo;
- f)- o apoio a autoconstrução e a construção de habitações sociais ou melhoria das condições habitacionais;
- g)- a ajuda financeira a instituições públicas ou privadas agindo nos domínios sanitário e social, cuja actividade se revista de interesse para a população.
Artigo 9.º (Relações entre o Estado e as Organizações não Governamentais)
- O Estado reconhece, valoriza e apoia a acção desenvolvida por organizações não-governamentais na prossecução dos objectivos da protecção social de base.
- Os apoios a conceder as organizações não-governamentais concretizam-se em forma de cooperação a estabelecer mediante acordos.
- Em relação às organizações não-governamentais, o Estado exerce acção tutelar com o objectivo de promover a compatibilização dos seus fins e actividades, garantindo o cumprimento da lei e a defesa dos interesses dos destinatários.
- A tutela pressupõe poderes de inspecção e de fiscalização exercidos, nos termos a definir, por serviços de administração directa do Estado ou por entidades expressamente designadas.
CAPÍTULO III PROTECÇÃO SOCIAL OBRIGATÓRIA
SECÇÃO I DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 10.º (Fundamentos e Objectivos)
- A protecção social obrigatória pressupõe a solidariedade de grupo, tem carácter comutativo e assenta numa lógica de seguro, sendo financiada através de contribuições dos trabalhadores e das entidades empregadoras.
- A protecção social obrigatória destina-se aos trabalhadores por conta de outrem ou por conta própria e suas famílias e tende a protegê-los, de acordo com o desenvolvimento económico e social, nas situações de falta ou diminuição da capacidade de trabalho, maternidade, acidente de trabalho e doenças profissionais, desemprego, velhice e morte, bem como nas situações de agravamento dos encargos familiares.
- Os funcionários públicos são protegidos por regime próprio, ficando transitoriamente abrangidos pelo regime dos trabalhadores por conta de outrem, enquanto não for estabelecida regulamentação própria e sem prejuízo do Sistema de Segurança Social das Forças Armadas Angolanas.
Artigo 11.º (Articulação de Sistemas)
- O trabalhador sucessivamente abrangido pelos regimes da protecção social obrigatória e dos funcionários públicos mantém no sistema para onde transita os direitos adquiridos e em formação.
- Na passagem do trabalhador de um sistema para outro, cada um dos sistemas assume a respectiva responsabilidade no reconhecimento dos direitos nos termos definidos por decreto.
Artigo 12.º (Regimes)
- A protecção social obrigatória concretiza-se através dos regimes dos trabalhadores por conta de outrem e dos trabalhadores por conta própria, mediante prestações garantidas como direitos.
- É garantida a conservação dos direitos adquiridos e a possibilidade de concretizar os direitos em formação.
- O trabalhador que, tendo estado inscrito na protecção social obrigatória, deixe de reunir as condições para estar abrangido, pode requerer a continuação do pagamento das contribuições, nos termos definidos por decreto.
Artigo 13.º (Prestações)
- As prestações podem ser pecuniárias ou em espécie e devem ser adequadas as eventualidades a proteger, tendo em conta a situação dos trabalhadores e suas famílias.
- As prestações pecuniárias são periodicamente revistas, tendo em conta as variações salariais.
- O direito as prestações vencidas prescreve findo o prazo de 24 meses, contado a partir da data em que são postas em pagamento.
- As prestações são intransmissíveis e impenhoráveis salvo aquelas cujo montante ultrapassa cinco vezes a pensão mínima definida para a protecção social obrigatória.
- No caso de pagamento indevido de prestações, a restituição pode ser feita através de compensação com valores a que o beneficiário possa ter direito, até ao limite de 1/3 desses valores.
Artigo 14.º (Exclusão do Direito as Prestações)
- Não é reconhecido o direito as prestações no caso das condições da sua atribuição se verificarem em virtude de acto doloso do trabalhador ou de seu familiar 2. O direito também não é reconhecido quando existe responsabilidade de terceiro que determina o pagamento de indemnização e esta venha efectivamente a ser paga ou não seja paga em virtude de negligência do beneficiário.
Artigo 15.° (Suspensão e Cessação das Prestações)
As condições de suspensão e cessação das prestações são determinadas por decreto.
Artigo 16.º (Concorrência de Prestações e Rendimento de Trabalho)
As prestações pecuniárias e as prestações em espécie são livremente cumuláveis entre si e com rendimento do trabalho, salvo as excepções previstas na lei.
SECÇÃO II REGIME DOS TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM
Artigo 17.º (Âmbito de Aplicação Pessoal)
- São abrangidos obrigatoriamente os trabalhadores por conta de outrem, nacionais e estrangeiros residentes, os familiares que estejam a seu cargo, incluindo os que desenvolvam actividades temporárias ou intermitentes, como é o caso das eventuais ou sazonais.
- No caso dos riscos profissionais a protecção é garantida aos trabalhadores ou seus descendentes sem condição alguma de residência nos termos a regulamentar.
- São também abrangidos os trabalhadores que exerçam actividade profissional subordinada na administração pública central ou local ou em qualquer outro organismo do Estado.
- Podem não ser abrangidos os trabalhadores que se encontrem transitoriamente a exercer actividade em Angola, por período a definir e que provem estar enquadrados em regime de protecção social de outro país, sem prejuízo do estabelecido nos instrumentos internacionais aplicáveis.
- O pessoal de serviço doméstico fica sujeito a um regime especial a definir em diploma próprio.
Artigo 18.º (Âmbito de Aplicação Material)
- O âmbito de aplicação material do regime compreende:
- a)- a protecção na doença;
- b)- a protecção na maternidade;
- c)- a protecção nos riscos profissionais, acidente e doença profissional;
- d)- a protecção na invalidez e velhice;
- e)- a protecção na morte;
- f)- a protecção no desemprego;
- g)- a compensação dos encargos, familiares.
- A protecção no desemprego deve realizar-se preferencialmente através de medidas de apoio e incentivo as políticas de emprego.
- Progressivamente e através da ponderação dos factores económicos e sociais relevantes podem ser protegidos outros riscos sociais mediante aprovação em diploma próprio.
Artigo 19.º (Inscrição)
- É obrigatória a inscrição das entidades empregadores e dos trabalhadores ao seu serviço no respectivo regime de protecção social.
- A inscrição dos trabalhadores no regime de protecção social é da responsabilidade da entidade empregadora.
- Os efeitos da inscrição não se extinguem pelo decurso do tempo.